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Ribeirinhas professoras

Publicado: Sexta, 11 de Agosto de 2017, 16h43 | Última atualização em Sexta, 11 de Agosto de 2017, 17h22 | Acessos: 5901

A singular trajetória de três docentes da UFPA

As irmãs Isabel e Eugênia Cabral no cenário famíliar por muitos anos: a margem do rio Guamá.
imagem sem descrição.

Por Renan Monteiro Foto Adolfo Lemos

O que verdadeiramente deve representar uma universidade pública é a sua diversidade: por ela, circulam pessoas de diferentes classes sociais, etnias, comportamentos. Essa diversidade faz uma reprodução da sociedade, porém uma reprodução em que todos têm as mesmas oportunidades. Se, hoje, entrar em uma universidade pública é um imenso desafio, há algumas décadas, esse desafio era ainda maior, principalmente para pessoas menos favorecidas socioeconomicamente.

Na Universidade Federal do Pará, há algumas histórias de pessoas que traçaram um percurso muito diferente daquele que estavam fadadas a percorrer, caso não tivessem oportunidades. Esta reportagem traz como exemplo as professoras da UFPA Isabel, Eugênia e Conceição, conhecidas como “Rosas Cabral” no ambiente acadêmico, que foram ribeirinhas e consideravam a UFPA um verdadeiro “oásis”.

“Quando, de barco, a gente passava em frente ao campus, era sempre um encantamento apreciar a Universidade. Porém era um universo que não fazia parte do nosso. Não passava pelas nossas cabeças entrar na UFPA. Nós não acreditávamos que era possível ingressar na universidade. Naquele tempo, poucos pobres estudavam aqui”, lembra a professora e biomédica Isabel Cabral, a irmã mais nova.

As três irmãs nasceram na zona rural do município de Bujaru e mudaram-se para  Belém após o ensino fundamental, pois, naquela região, o nível escolar era até a chamada quarta série, hoje 5º ano. “No interior, da minha casa até a escola, eu e minha irmã Eugênia remávamos por uma hora. Eu tinha cerca de cinco anos; e a minha irmã, sete. Na maioria dos meses, íamos sozinhas”, conta Isabel Cabral. Como a família, inicialmente, não tinha uma casa na capital, as irmãs moravam em casas de parentes e amigos. Quando já estavam no ensino médio, um parente comprou uma casa no Jurunas e doou para a família Cabral. 

Pais, semianalfabetos, foram os grandes incentivadores  

Eugênia Cabral foi aluna de Ciências Sociais e, hoje, é docente no mesmo curso. Ela conta que seus pais eram semianalfabetos, e, a despeito disso, eles foram os grandes incentivadores das filhas.  Segundo a professora, a preparação para o vestibular foi muito difícil. Ela trabalhava durante o dia e fazia o cursinho preparatório à noite.

‘’Quando falávamos com os nossos vizinhos que nós estávamos estudando para ingressar no ensino superior, percebíamos que eles não acreditavam, riam de nós, porque, em 1980, para a população pobre, isso era muitíssimo difícil, como ainda é até hoje. As estatísticas confirmam isso’’, diz Eugênia.

Conceição, a irmã mais velha, docente no Instituto de Ciências da Educação, trabalhava em jornada de oito horas diárias, o que a impedia de dedicar-se à preparação para o vestibular no curso com que sonhava. Foi aprovada em Ciências Biológicas, quando desejava ingressar em Medicina. No meio de sua graduação, aos 23 anos, casou-se e engravidou.  Conceição diz que o apoio da mãe e das irmãs foi fundamental para evitar a evasão escolar.

O processo que envolve a vinda de famílias do interior para a capital, em busca de estudos e melhores condições de vida, aqui, na Região Norte, na maioria das vezes, não resulta em sucesso. Essas irmãs têm uma história fora do padrão, pois, apesar de muita dificuldade, as três alcançaram os seus objetivos.

Mas a trajetória durante a graduação não foi fácil. Isabel Cabral descreve a rotina pesada: “Eu ficava na UFPA das 7h30 às 23h, no antigo sistema de créditos, com dinheiro para apenas uma refeição. Foi durante a minha pós-graduação, na Unicamp, que eu percebi o quanto a nossa história era diferenciada e incomum. Primeiro, em uma família de oito filhos, todos sobreviveram; desses oito, seis concluíram o ensino superior aqui, na UFPA’’, comemora.

O choque de realidade com o ambiente universitário

São três trajetórias e muitas lembranças. Mas um momento significativo na vida delas como universitárias foi a conquista do direito à meia passagem nos transportes coletivos. Isabel fala dessa questão: “A gente organizava passeatas e, mesmo sem celular, conseguíamos mudar os locais de concentração, porque a polícia reprimia muito. Esse momento foi muito marcante do ponto de vista político”.    

Para Eugênia, o ambiente da UFPA foi um choque de realidade. ‘’Nós estávamos vivendo o processo de redemocratização, e chegar à Universidade, nesse momento, foi encarar uma nuvem de liberdade, quando vivemos muitas coisas diferentes do que vivíamos fora da Universidade. Ainda hoje, a UFPA representa isso’’, afirma a professora. ‘’Na UFPA, a liberdade política estava em construção. Aqui, começou a luta pela meia passagem. Aqui, era e é o lugar onde a irreverência se mostrava/mostra nas roupas e nos cabelos tão diferentes do usual. Este espaço te possibilitava essa diferenciação, e você fazia/faz questão de mostrar isso’’, ressalta.

Os depoimentos das irmãs Cabral mostram o quanto é difícil para as populações mais carentes a conquista de uma vaga no ensino superior. ‘’As condições, as expectativas e as dificuldades, assim como as formas de superação não são as mesmas. A chance de alunos das escolas públicas chegarem à universidade, àquela época, era pequena. Se esses jovens vinham do interior - por falta de escolas no campo -, a chance poderia diminuir ainda mais. E essa chance, nós tivemos’’, festeja Conceição Cabral.

Ed.138 - Agosto e Setembro de 2017

Comentários  

0 #2 Joana 18-09-2017 22:22
Muito orgulho das minhas conterrâneas, além do que eu me vi na trajetória das 3 irmãs, não com tanto sucesso. Kkk
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+1 #1 Vilma Nonato de Bríc 11-08-2017 20:11
A UFPA fez diferença na vida de muitas pessoas. Na capital e no interior. Também sou ribeirinha do Médio Rio Moju e a Universidade foi um divisor de águas para mim!!!
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