O primo pouco conhecido
Mercado de Carne está no Ver-o-Peso, mas não é tão valorizado
Por Flávia Rocha Foto Alexandre de Moraes
O Mercado de Carne ou Mercado Bolonha foi inaugurado no Complexo do Ver-o-Peso em 1867, seguindo os padrões dos mercados europeus da época. Construído em alvenaria e tijolos, a estrutura inicial do mercado não conseguia mais comportar a quantidade de mercadores e clientes que o frequentavam, tornando o local insalubre. Em 1908, o engenheiro Francisco Bolonha remodelou o Mercado com novas estruturas de ferro, usando uma arquitetura claramente reconhecível como do período da Belle Époque. “O Mercado de Carne faz parte do Complexo, mas não é tão famoso quanto o Mercado de Peixe, então, quando as pessoas entram no prédio, se surpreendem com a estrutura”, afirma o pesquisador Luiz Henrique Rabelo da Silva.
Atualmente, o Mercado de Carne é considerado um patrimônio da cidade de Belém e é responsável por uma rede de interação entre os cidadãos que lá convivem, criando um rico segmento da cultura paraense. Buscando analisar os valores culturais e econômicos atribuídos ao Mercado, o pesquisador Luiz Henrique Rabelo da Silva escreveu a dissertação Mercado Bolonha: Patrimônio Arquitetônico e locus de práticas culturais comerciais em Belém do Pará, apresentada no Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo (PPGAU/ITEC), com orientação da professora Cybelle Salvador Miranda.
“É importante estarmos atentos para os bens patrimoniais existentes em nossa sociedade, o que eles representam culturalmente, e destacar as pessoas que usufruem desses bens”, afirma Luiz Rabelo. Em sua dissertação, ele busca ressaltar a relevância social de locais como o Mercado de Carne, que vai além da rentabilidade econômica do prédio. “É preciso fomentar uma nova visão de patrimônio, que ainda é emergente no Pará. Precisamos desconstruir essa concepção de que, se o prédio estiver em pé e intacto, está tudo bem. Mas, e quanto ao uso?”, questiona.
Mudanças após a reforma não foram todas positivas
Em 2011, o Mercado de Carne passou pela sua última grande reforma e foi reinaugurado. “Após essa restauração, vários investimentos privados foram atraídos para o local, alguns com valor turístico. No decorrer da pesquisa, em conversa com os frequentadores, observei que muitos deles acreditam que, caso o Mercado sofra um tipo de intervenção mais voltada para o turismo, será melhor para eles. A questão é que, quando essas intervenções ocorrem, há grande chance de apropriação do espaço, obrigando a saída daqueles que trabalham e vivem lá. Isso se chama gentrificação comercial”, explica Luiz Rabelo da Silva.
De acordo com o arquiteto, algumas mudanças ocorreram logo após a reabertura do Mercado de Carne, em 2011, nem todas positivas. “A pesquisa comprova que a quantidade de boxes de açougueiros - a carne é a grande identidade do mercado - foi diminuindo. A intervenção durou cinco anos e, nesse período, o mercado foi fechado. Os fregueses de então acabaram indo para outros lugares e alguns comerciantes decidiram abrir seu negócio em casa ou foram para outros segmentos. Foi algo muito brusco”, avalia o autor da pesquisa.
O pesquisador afirma que é necessário valorizar o Mercado de Carne como patrimônio material, começando pela valorização de quem trabalha no local. “Manter as redes de práticas sociais é fundamental para garantir o funcionamento ideal do mercado, sem excluir o turismo. Promover experiências em que as pessoas conhecessem a história do mercado e seus trabalhadores, para evitar que ocorra gentrificação”, sugere Luiz Rabelo.
Uma das referências bibliográficas da pesquisa é o historiador Ulpiano Meneses, o qual diz que a valorização, isto é, o valor econômico de um local é visto como mais importante que o seu valor cultural (valorização). Portanto faz-se necessário estudar os fatores que contribuem para determinar como cada objeto/monumento patrimonial será utilizado. “Se as complexas redes de práticas construídas ao longo de muitas décadas forem menosprezadas, a nova imagem do Mercado de Carne pode representar uma ameaça à identidade, à memória e à história da cidade”, conclui o pesquisador.
Ed.147 - Fevereiro e Março de 2019
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Mercado Bolonha: Patrimônio Arquitetônico e locus de práticas culturais comerciais em Belém do Pará
Autor: Luiz Henrique Rabelo da Silva
Orientadora: Cybelle Salvador Miranda
Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo (PPGAU/ITEC)
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