Entrevista: Um raio-x das barragens
Dianne Fonseca cria sistema de informações sobre barragens da região
Por Walter Pinto Foto Alexandre de Moraes
Quantas barragens existem na Amazônia? Quais apresentam riscos de rompimento ou podem representar ameaça às populações? Essas são questões difíceis de serem respondidas, em virtude da ausência de informações sobre esses empreendimentos, construídos para abrigar rejeitos produzidos por indústrias de diferentes áreas. Muitas delas sequer estão registradas nos órgãos oficiais. No Pará e no Amapá, pelo menos na área da mineração, essas questões foram resolvidas por meio da criação de um Sistema de Informação Geográfica (SIG), uma ferramenta que reúne as principais informações sobre barragens de rejeitos minerais. Criada pela geóloga Dianne Danielle Farias Fonseca, o SIG foi resultado do mestrado profissional realizado no Programa de Pós-Graduação em Gestão de Riscos e Desastres Naturais na Amazônia (PPGGRD), do Instituto de Geociências da UFPA, sob orientação do professor Cláudio Szlafsztein. Na entrevista abaixo, a geóloga fala sobre os desafios encontrados para reunir informações dispersas sobre o estado das barragens na região.
Segurança das barragens
No Pará e no Amapá, existem cerca de 120 barragens de rejeito mineral, mas somente 75 delas seguem as determinações da Política Nacional de Segurança de Barragens (PNSB) de 2010, que trata de barragem com parâmetros específicos: volume igual ou acima de três milhões de m³, altura maior ou igual a 15 metros e armazenamento de rejeitos de caráter perigoso. Ela classifica as barragens de rejeito mineral segundo os parâmetros Categoria de Risco (CR) e Dano Potencial Associado (DPA). A CR é um parâmetro que mede a potencialidade de ocorrência ou a materialização do desastre.Os aspectos da própria barragem influenciam a probabilidade de ocorrência de um acidente e todos os proprietários de barragens são obrigados a apresentar declaração de estabilidade delas. O risco é dado por notas que variam conforme as características técnicas, o estado de conservação e o plano de segurança da barragem. Esse risco será menor se a barragem atender aos protocolos de segurança determinados em lei. O DPA está relacionado a tudo que está abaixo da barragem, a jusante, é o parâmetro que mede os efeitos de ocorrência de um desastre e independe da probabilidade de ocorrência. Considera, por exemplo, a existência de comunidades, vegetação, unidades de conservação e bacias de drenagem. Enfim, é o principal fator de medição da vulnerabilidade do meio físico e socioeconômico a jusante da barragem. Uma barragem pode ter baixa CR, mas um alto DPA. No Estado do Pará, não existe nenhuma barragem de rejeito mineral classificada de risco alto. Há quatro de risco médio. As demais são de risco baixo. No entanto 32% apresentam Alto Dano Potencial Associado. Isso quer dizer que, se uma barragem dessas se romper, poderá causar grandes danos à população, ao ambiente e à infraestrutura municipal.
Sistema de Informação Geográfico
Durante a realização da minha dissertação O panorama das barragens de rejeito mineral nos Estados do Pará e Amapá, no âmbito do Grupo de Pesquisa e Estudos sobre Desastres na Amazônia (GEPEDAM), liderado por Claudio Szlafsztein, desenvolvi, por meio de uma ferramenta chamada Sistema de Informação Geográfica (SIG), um grande banco de dados sobre as barragens de rejeitos minerais no Pará e no Amapá. O SIG surgiu após os primeiros levantamentos dos dados sobre as barragens de rejeito mineral mostrarem uma preocupante ausência de informações organizadas e sistematizadas, a respeito das barragens de mineração no Brasil, em especial nos Estados do Pará e Amapá. A diferença de informações provindas dos órgãos federais e estaduais e a dificuldade de acesso da sociedade a um documento único que reunisse esses dados foram os grandes motivadores desta pesquisa.
Documento único
O Pará e o Amapá carecem de um cadastro das barragens com informações mínimas que possibilitem aos órgãos de defesa civil uma visão mais espacializada desses empreendimentos e uma ação adequada na ocorrência de eventuais acidentes. Minha principal preocupação foi reunir as informações em documento único, de acesso fácil para pesquisadores e para gestores de políticas públicas. Eram dados que precisavam estar consolidados. Reuni informações sobre as coordenadas geográficas das barragens, o volume, a altura, os possíveis danos potenciais associados, a categoria de risco, a localização nos municípios, a existência de populações, de vilas e de cidades e os acidentes geográficos em áreas de influência.
Mapa facilita a consulta
Na coleta das informações, contei com o auxílio de um banco de dados recém-criado pela Agência Nacional de Mineração, alimentado por informações autodeclaradas pelos donos de barragens, mas pelas quais podem sofrer penalidades caso não sejam verídicas. Todas as informações compuseram o SIG e são apresentadas em um mapa, facilitando a consulta de qualquer pessoa interessada. Se você quiser saber quantas barragens existem em Marabá, por exemplo, basta localizar o município e ler as informações sobre cada uma delas.
Parâmetros de classificação
O mapa apresenta determinadas concentrações de barragens associadas à atividade da mineração em função da distribuição das características geológicas, dos recursos minerais e das atividades industriais, tais como nos municípios de Parauapebas, Curionópolis, Marabá, Barcarena e Paragominas. Existem cinco órgãos responsáveis pela fiscalização de barragens no Brasil. Cada tipo de barragem é fiscalizada por órgãos específicos. Os reservatórios da Hydro, em Barcarena, não entram para o grupo das barragens sob a fiscalização da Agência Nacional de Mineração, antigo Departamento Nacional de Pesquisa Mineral, uma vez que a empresa não produz rejeitos minerais, mas rejeitos industriais, estando sob a responsabilidade das Secretarias de Meio Ambiente. As barragens de geração de energia elétrica são de responsabilidade da Agência Nacional de Energia Elétrica. As localizadas dentro de Unidades de Conservação Federais são fiscalizadas pelo Ibama. O número de barragens no Pará e no Amapá é, portanto, muito superior às 119 de rejeitos minerais e dificilmente podem ser apontadas com segurança.
Vida útil
As barragens são projetadas para ter uma vida útil igual ao tempo de exploração do depósito mineral. Mas existem as flutuações do mercado mineral. Quando há uma queda no preço do minério, como aconteceu com o cobre no início do século, por exemplo, as mineradoras precisam aumentar a produção para manter todo o seu parque industrial funcionando. A produção de rejeito aumenta significativamente, então aquela barragem projetada para 50 milhões de toneladas receberá muito mais. Em consequência, as empresas recorrem ao processo de “alteamento” da barragem. Dependendo do número e das características do alteamento, aumenta o fator de risco de rompimento da barragem. O alteamento é feito de três formas: a montante, a jusante e a linha de centro. O método que está sendo questionado, após os acontecimentos de Mariana e Brumadinho, em Minas Gerais, é o método de alteamento a montante. Isso acaba gerando fator de risco maior porque é um método de construção suportado pelo rejeito, o que pode comprometer a estabilidade da barragem. Mas é um método de custo menor e de mais rapidez de construção.
Mestrado profissional
Todo mestrado profissional precisa aplicar conhecimentos associados a um problema enfrentado na área de atuação do profissional, atendendo a uma demanda do mercado. O PPGGRD surgiu de uma lacuna detectada pelo governo federal, após inúmeros desastres que afetaram o Brasil, as inundações de Alagoas e de Pernambuco, em 2010, de Santa Catarina, em 2011, e as chuvas ocorridas na região serrana do Rio de Janeiro, em janeiro de 2011, repetidas em 2012 nos Estados do Rio de Janeiro, de Minas Gerais e do Espírito Santo. O governo, disposto a fortalecer esse setor vulnerável, promoveu a implementação de mestrados profissionais em desastres. Na UFPA, muitos dos alunos do PPGGRD pertencem à CPRM, ao Corpo de Bombeiros e à Defesa Civil.
Ed.150 - Agosto e Setembro de 2019
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