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Opinião

Publicado: Terça, 15 de Outubro de 2019, 14h35 | Última atualização em Terça, 15 de Outubro de 2019, 16h30 | Acessos: 2697

Arte Pará: uma interpretação antropológica e visual

O Arte Pará é o mais longevo salão privado de artes visuais no País. Sua primeira edição se deu em 1982, após uma reunião com representantes das artes visuais de então, a qual foi idealizada e capitaneada pelo jornalista e presidente do Grupo Liberal, Rômulo Maiorana.

Com 38 edições ininterruptas, o outrora chamado Salão Liberal se tornou um destaque para o cenário artístico e conceitual paraense, bem como para o próprio panorama nacional das artes visuais. Organizado pela Fundação Rômulo Maiorana, sua mostra permite um número significativo de participantes (não somente locais), com uma clara atenção e debate sobre as produções visuais desenvolvidas nesses encontros.

A essas considerações iniciais, posso acrescentar que a tese Arte Pará: uma interpretação antropológica e visual, de minha autoria, desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Antropologia (PPGA/UFPA), sob orientação do professor Ernani Chaves e coorientação do professor Agenor Sarraf, tratou de abraçar um recorte entre os anos de 1982 e 2015, de maneira a compreender a base inicial do evento, sua maturação e transformação, com destaque para as narrativas curatoriais costuradas com os projetos visuais participantes da mostra.

Desse modo, o estudo envolveu uma série de estratégias para lidar com uma pesquisa tanto diacrônica quanto sincrônica: pesquisa de arquivo, realizada nos catálogos da Fundação e nas edições contextuais do Jornal O Liberal; entrevistas semiestruturadas e abertas com curadores, artistas e organizadores e etnografia dialógica e visual das edições de 2012 a 2015, sob os princípios da observação participante.

Aliada a essas estratégias, também realizei uma leitura conceitual do evento, baseada no próprio campo teórico da Antropologia, além de trazer uma marcação crítica segundo as prerrogativas Pós-Colonial e Decolonial. Essas análises foram, não obstante, acompanhadas de leituras visuais de obras participantes do salão, segundo debates encontrados nos próprios estudos da Imagem e da Filosofia da Arte.

Um dos elementos de destaque da pesquisa se deu na reflexão sobre o termo Visualidade Amazônica, debate encontrado no próprio organismo do Arte Pará. Presente como conceito e prática artística desde os primeiros anos do salão, sob um princípio plural e dinâmico, este termo tem, no pensador João de Jesus Paes Loureiro e nos artistas Osmar Pinheiro Jr. e Luiz Braga, alguns dos nomes emblemáticos para compreendê-lo.

Os ideais da Visualidade Amazônica foram amplamente debatidos no 1º Seminário sobre as Artes Visuais na Amazônia, ocorrido em 1984, em Manaus, organizado pelo Instituto Nacional de Artes Plásticas (INAP), sob direção de Paulo Herkenhoff. Desse seminário, saiu o livro As Artes Visuais na Amazônia: Reflexões sobre uma Visualidade Regional, com a transcrição das conferências apresentadas. Esse livro é, hoje, tido como um importante documento histórico para se acessar alguns dos ideais que atravessaram personagens ligadas às artes visuais na região e, por extensão, às do Salão Arte Pará. Para o supracitado grupo, as produções realizadas por artistas nesta porção da Amazônia paraense teriam a escolha de trazer, em seu DNA, algo de mais antigo, local, politizado, mesmo em tempos cujos códigos enfaticamente globais seriam mais bem apreciados.

Outro debate significativo para o desenvolvimento do evento e processo de análise da tese pôde ser encontrado nos desenvolvimentos curatoriais, principalmente inaugurais, a partir de 1990, os quais ficaram a cargo de Paulo Herkenhoff e Claudio De La Rocque. Os curadores firmaram uma inter-relação significativa, com posteriores e distintos desenhos curatoriais do Arte Pará - e aqui podemos pensar em como cada novo curador buscou estabelecer outros limites para o alcance do salão: trouxe, em seus diversos contextos, nomes de diferentes centros de produção artística na forma de júris, de selecionados ou de convidados; articulou certa continuidade coerente com muitos dos ensejos principiados por Paulo Herkenhoff; enriqueceu o evento com novos panoramas e dilemas conceituais, muitos deles emblemáticos para se estabelecer pontos de transformação de uma trajetória também pertencente à História da Arte Paraense.

O Salão Arte Pará, mesmo ante a pequena quantidade de pesquisas acadêmicas, é um grande marcador para as artes visuais a ganhar espaço na mídia, entre artistas e curadores das mais distintas origens. E observado o fato de a própria pesquisa antropológica ter, ainda, discretas relações com a prática artística recente, este evento aqui é tomado, em muitos aspectos, de maneira inaugural, como um campo fecundo para investigações e análises em torno de suas narrativas conceituais, curatoriais e culturais, tecidas plurivocalmente, por meio de negociações transculturais, em uma metrópole e, por extensão, em uma região amazônica.

John Fletcher – professor e coordenador dos cursos de Artes Visuais (FAV/ UFPA), doutor em Antropologia pelo PPGA/UFPA. Recebeu o Prêmio Benedito Nunes de melhor tese, edição 2018. 

Ed.151 - Outubro e Novembro de 2019

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