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Água da chuva pronta para o consumo

Publicado: Terça, 03 de Março de 2020, 19h12 | Última atualização em Terça, 03 de Março de 2020, 19h27 | Acessos: 2120

Estudo analisa viabilidade econômica de sistema de captação para prédios públicos

imagem sem descrição.

Poe Aila Beatriz Inete Fotos Acervo da Pesquisa

A água corresponde a quase 70% do nosso planeta, entretanto apenas 3% são de água doce e 0,5% desse valor está em rios e lagos, disponível para o uso de seres humanos. Nos últimos anos, o Brasil passou por um período de estiagem, especialmente nas Regiões Nordeste e Sudeste, que tiveram o seu abastecimento de água reduzido. Com o intuito de motivar os órgãos públicos a investirem em critérios sustentáveis, Raisa Nicole Campos Cardoso defendeu a dissertação Viabilidade Econômica de Sistemas de Captação de Água da Chuva para Fins não Potáveis em Dois Prédios da Universidade Federal do Pará. A pesquisa foi apresentada no Programa de Pós-Graduação em Engenharia Civil (PPGEC), sob orientação do professor Claudio José Cavalcante Blanco.

“A água da chuva tá disponível na nossa região e é um desperdício não aproveitá-la para fins não potáveis, como o uso em vasos sanitários e limpeza dos prédios”, declara a engenheira. A pesquisa teve como objetivo realizar um estudo da viabilidade técnica e econômica, com a implantação de um sistema de aproveitamento de água da chuva no laboratório de Engenharia Sanitária e Ambiental (Laesa) e na Escola de Música da UFPA (Emufpa).

A análise técnica estudou o potencial de aproveitamento de água da chuva em função da área de cobertura, da demanda não potável, do volume extravasado, do dimensionamento do reservatório de armazenamento e do projeto de engenharia. “O volume de água da chuva possível de ser captado tem relação com a área de cobertura dos telhados. Então, quanto maior a área, maior será o potencial de aproveitamento”, afirmou a engenheira.

Para realizar a análise técnica e econômica, a pesquisadora utilizou o software Netuno 4.0, desenvolvido pela Universidade de Santa Catarina, que aperfeiçoa o dimensionamento do reservatório. Foi necessário calcular a demanda de água nos prédios e selecionar, no mínimo, 20 anos de dados diários de chuva em Belém. A pesquisa também verificou o número de ocupantes, os hábitos de consumo de água e a quantidade de pontos de consumo (banheiros, lavabos, laboratórios), as atividades de higiene e limpeza realizadas e os equipamentos utilizados para a lavagem dos prédios.

Questionário calcula o consumo per capita nos prédios selecionados

Segundo Raisa Cardoso, depois do levantamento dessas informações, foi aplicado um questionário entre os usuários (alunos, funcionários e professores) com o objetivo de calcular o consumo per capita de água, bem como a demanda diária total e mensal. Com a definição da demanda total de água, foi possível determinar a parcela de consumo não potável, que poderia ser substituída por água da chuva.  

“Após essa etapa, foi realizado o dimensionamento do reservatório no software Netuno. Em seguida, elaboramos o projeto de engenharia utilizando o autocad e o hidrocad, onde foi possível quantificar tubulações e peças hidráulicas, além da mão de obra necessária”, contou Raisa Cardoso. Depois de fazer o estudo da viabilidade técnica, a engenheira precisou verificar todo o material necessário para a instalação do sistema e calcular os custos inerentes à implementação do projeto.

“Apesar de o sistema ter um viés sustentável, em qualquer empreendimento (público ou privado), é importante considerar o viés econômico. Então, o estudo de viabilidade econômica utilizou os principais indicadores de investimento: o payback descontado, o valor presente líquido e a taxa interna de retorno. Foi estabelecido um horizonte de 20 anos de análise do fluxo de caixa, pois, geralmente, sistemas prediais têm essa vida útil”, declarou a pesquisadora.

De acordo com a engenheira, foram elaborados três cenários de simulação da viabilidade econômica, considerando o fato de as edificações possuírem diferentes tarifas de cobrança de água potável, área de captação, demanda e número de usuários. O primeiro cenário avaliou a implementação do sistema de aproveitamento de água da chuva no prédio da Emufpa, que é abastecido pela rede pública. O segundo cenário avaliou a instalação do sistema no Laesa, abastecido pelo Sistema de Abastecimento da UFPA. O terceiro cenário criou um caso hipotético comparando a instalação do Serviço de Atendimento e Acompanhamento aos Coletivos (SAAC) no Laesa, caso fosse abastecido pela água potável da concessionária local.

Retorno financeiro – Considerando a avaliação dos cenários, foi constatado que, no Laesa, não houve retorno financeiro considerando que a tarifa de água da UFPA é de R$ 0,40. Contudo o projeto poderia atender até a 90% da demanda do prédio nos tempos chuvosos, e, no período de estiagem, atenderia a 50% da demanda. Porém, ao avaliar o cenário hipotético no qual o Laesa seria abastecido pela Cosanpa, cuja tarifa de cobrança variava, na ocasião, de R$ 5,89 a 7,35/m³ de água tratada, o tempo de retorno financeiro seria de seis anos e quatro meses. Já na Emufpa, o tempo de retorno seria de 10 anos em virtude de a área do edifício e a demanda serem menores. Entretanto o sistema atenderia a 100% das necessidades no período chuvoso; e no período de estiagem, o projeto supriria 60%.

Com os resultados, a pesquisadora concluiu que o consumo per capita médio de água no Laesa foi de 3,87 m³/dia, com demanda não potável estimada em 76% desse total. Na Emufpa, o consumo foi de 2,24 m³/dia, com parcela de uso não potável de 69%. Os volumes de reservatórios ideais indicados no dimensionamento foram de 10m³ para o Laesa; e 8m³, para o Emufpa.

 O investimento para a implantação no Laesa foi de R$40 mil; e no Emufpa, como era um prédio menor e já havia alguns equipamentos, foi de R$25 mil. “É preciso ter uma demanda de água não potável, uma área de captação e uma tarifa de cobrança atrativa para tornar o projeto interessante para os investidores, uma vez que, quanto maior o consumo, menor será o volume de água potável comprado da concessionária de abastecimento. Essas variáveis precisam estar alinhadas”, afirmou Raisa Cardoso.

Comunidades da região das ilhas já utilizam água da chuva em suas atividades

Para ser implantado, o projeto precisa ter um engenheiro civil ou sanitarista e ambiental responsável. Apesar do custo, a engenheira considera o sistema acessível. “Podemos implantar essa ideia nas escolas e universidades, captando a água da chuva para jardinagem e limpeza do prédio, por exemplo. Aos poucos, a população terá a compreensão do que é o consumo potável e não potável”, afirmou Raisa Cardoso.

Segundo ela, outros exemplos dessas práticas podem ser observados nas ilhas em torno de Belém, como as ilhas das Onças e do Combu, onde diversas comunidades utilizam a água da chuva em suas atividades diárias. De acordo com a pesquisadora, o projeto de captação de água é ideal para grandes prédios públicos, nos quais o consumo de água não potável e a área de cobertura são maiores do que em residências.

Infelizmente, na pesquisa bibliográfica, Raisa verificou que poucos prédios públicos utilizam a água da chuva. “Na Região Sudeste, eu verifiquei esse sistema em alguns prédios públicos, tais como tribunais, instituições, universidades, mas aqui, em Belém, encontrei apenas em um shopping center da região metropolitana e na Infraero, que possui um sistema de captação de água da chuva utilizado para combate a incêndio”, revelou.

Para Raisa Cardoso, a grande motivação da pesquisa foi fazer com que os prédios públicos se adaptem aos critérios de sustentabilidade da Instrução Normativa nº 1/2010, emitida pelo Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, que fornece, em seu Art. 4º, uma série de especificações e exigências que visam à redução do consumo de água, por meio de alternativas como o aproveitamento da água da chuva em prédios públicos.

“A água é um recurso finito. Quantitativamente, ela não vai acabar, mas, qualitativamente, sim. A maioria dos esgotos são lançados in natura nos corpos hídricos. O acesso à água vai se tornar cada vez mais difícil, o tratamento da água se tornará mais avançado e mais caro, fazendo com que o consumidor final também pague mais caro por esse recurso”, alerta a engenheira.

Ed.153 - Fevereiro e Março de 2020

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