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Paredes guardam segredos e história

Publicado: Sexta, 11 de Dezembro de 2020, 15h25 | Última atualização em Quinta, 28 de Janeiro de 2021, 19h04 | Acessos: 2521

Tese investiga características de argamassas históricas de Belém

imagem sem descrição.

Por Adrielly Araújo Foto Alexandre de Moraes

Entre os anos de 1890 e 1920, Belém viveu o período de maior glamour de sua história, a Belle Époque. Impulsionada pelo apogeu econômico e industrial que o comércio da borracha viabilizou, a Belle Époque representa o que era considerada a vida requintada, elegante, culta e civilizada no Brasil. Ainda hoje, é possível encontrar suas influências na arquitetura de Belém.

É claro que esse pensamento “brilhante e estrangeiro” escondia preconceitos, como o branqueamento e a europeização do Brasil e da sua população, buscando subjugar nossa cultura e história. Tudo isso sob as máscaras do progresso e da civilização. Ainda assim, a história precisa ser preservada.

E foi a ideia de preservar a história dos materiais de construção usados no passado que inspirou o pesquisador Alexandre Máximo Silva Loureiro a realizar uma pesquisa para determinar as principais características e as propriedades das argamassas históricas de Belém dos séculos XVIII e XIX e ainda propor argamassas de restauro compatíveis com esse material histórico.

A pesquisa foi desenvolvida ao longo de quatro anos e meio, culminando na tese intitulada Argamassas históricas de Belém do Pará, defendida no Programa de Pós-Graduação em Geologia e Geoquímica (PPGG/IG) da UFPA, sob orientação do professor Rômulo Angélica.

“Para pleno desenvolvimento da proposta, foi necessário transitar por diferentes laboratórios da Universidade, principalmente o Laboratório de Caracterização Mineral (LCM) e o Laboratório de Conservação, Restauro e Reabilitação (Lacore). Ainda foram realizados ensaios no Laboratório Nacional de Engenharia Civil de Lisboa (LNEC), em Portugal, onde fui orientado pela professora Rosário Veiga”, explica o arquiteto. A pesquisa foi estruturada em três artigos independentes e de temáticas complementares, que abordam o caso das argamassas históricas de Belém, desde a sua caracterização até a proposta de argamassas de restauro.

Cal: principal ligante até o final do século XIX

Geralmente, as argamassas antigas eram compostas da mistura entre ligante, agregado e água, porém diversos estudos e documentos históricos mostram o emprego de outros componentes, por exemplo, os aditivos pozolânicos. A cal foi a principal ligante empregada até o surgimento do cimento Portland, no final do século XIX. Ela era misturada ao agregado, composto por areia e/ou argila e água. “No geral, a matéria-prima utilizada para a produção de cal era proveniente de rochas carbonáticas ou material marinho, como no caso do Brasil, onde o uso de cal de conchas e corais era recorrente”, conta Alexandre Máximo Silva Loureiro.

As conchas usadas para a produção de cal são compostas por carbonato de cálcio. Após sua queima nos fornos de cal, elas davam origem ao óxido de cálcio. Em seguida, o produto era hidratado para obtenção do hidróxido de cálcio e, desta forma, era inserido na mistura. “Como esse processo era feito de forma rudimentar, se comparado ao processo atual de produção de cal, algumas conchas permaneciam inteiras, e podem ser vistas, até hoje, em algumas argamassas históricas”, relata Alexandre.

Para cada etapa da pesquisa, desenvolveu-se uma metodologia diferente, de modo a atingir o objetivo principal. Assim, para a primeira etapa, que consistiu na definição dos componentes presentes nas argamassas de edifícios históricos de Belém, foram coletadas 31 amostras de cinco edifícios históricos: a Igreja de Santo Alexandre, o Arquivo Público do Estado do Pará, a Casa Carvalhães, a Casa Quintino e o Palacete Faciola.

Após essa coleta, foram realizadas inúmeras análises das argamassas para descrever suas principais características macroscópicas, como cor, compacidade e morfologia. Depois, foram realizadas análises para sua caracterização química, física e mineralógica, bem como para a determinação de algumas propriedades físicas e mecânicas.

Na segunda etapa da pesquisa, investigou-se a validade dos resultados obtidos por alguns dos métodos e das técnicas de caracterização, verificando se é possível estimar, com precisão, a relação ligante/agregado das argamassas históricas. Além disso, buscou-se responder quão compatíveis são os resultados obtidos por técnica utilizada para melhor caracterização do material.

Na terceira e última etapa, buscou-se produzir argamassas de restauro e comparar suas características e propriedades com as das argamassas históricas previamente caracterizadas, de modo a verificar quais as mais adequadas para serem usadas em obras de restauro.

Contexto da obra define estratégia para o restauro

“Foi possível verificar que o teor de ligante (cal) foi diminuindo ao longo dos anos, o que pode ter acontecido porque as fontes da matéria-prima, os sambaquis (conchas), ficaram escassas com o vasto uso nas obras, principalmente naquelas situadas nos bairros Cidade Velha e Campina, além do aprimoramento da técnica de preparo da argamassa ou do ligante”, conta Alexandre Loureiro.

“No caso das argamassas de restauro, é necessário entender o contexto da edificação para saber que tipo de estratégia adotar. A pesquisa mostra que, em obras em que se tem elevada umidade, o que pode ocasionar graves danos às alvenarias, as argamassas com aditivos pozolânicos podem ser recomendadas por possuírem propriedades hidráulicas”, explica o pesquisador.

Atento à determinação da relação ligante/agregado (quantidades presentes em cada argamassa estudada), o pesquisador constatou que os edifícios mais antigos têm argamassas fortes, enquanto os mais recentes têm argamassas médias e fracas. “Este resultado pode indicar que houve melhoria da técnica de produção dos revestimentos ao longo dos anos, o que permitiu usar argamassas com menor teor de ligante nos edifícios mais recentes, ou pode ser associado à tentativa de prevenir fissuras ou reduzir custos, pois a cal era um produto caro na época”, sugere.

Na área da conservação e do restauro, uma boa caracterização da composição original é o primeiro passo para manter vivo o patrimônio edificado, uma vez que o desempenho dos materiais é intrínseco à sua composição e ao seu preparo. “Este conhecimento torna possível realizar intervenções compatíveis com a conservação e adequadas a ela, pois, em estudos voltados para a ciência do restauro, é necessário que a concepção da intervenção seja dada por meio da reconstituição dos materiais originais”, informa o arquiteto.

Outro aspecto interessante é o emprego de resíduos industriais no material de restauro, visto que o tema sustentabilidade está cada vez mais presente na sociedade contemporânea, impulsionando diversas pesquisas, como foi o caso do presente estudo.

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Estes resultados já foram aplicados em inúmeras obras de restauro, como a do Solar da Beira, para a qual foram feitas as recomendações para a restauração das alvenarias da fachada. Também vale citar outros projetos desenvolvidos pelo Lacore/UFPA, seja de recomendações, seja de intervenções de restauro: Igreja de Santo Alexandre, Palácio Antônio Lemos, Palacete Faciola, Cemitério da Soledade, Igreja das Mercês e Convento dos Mercedários, Casa Carvalhães, Forte de Santo Antônio de Gurupá, entre outros.

Artigos publicados:

“Investigation of historical mortars from Belém do Pará, Northern Brazil”. Publicado na revista Construction and Building Materials. Acesso em: https://doi.org/10.1016/j.conbuildmat.2019.117284
Assessment of compatibility between historic mortars and lime-metakaolin restoration mortars made from amazon industrial waste”. Publicado na revista Applied Clay Science; Acesso em: https://doi.org/10.1016/j.clay.2020.105843

Beira do Rio edição 157

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