Carnaval sobre águas
Pesquisa revela visualidades do Cordão dos Mascarados Última Hora, em Cametá
Por Adrielly Araújo Foto Paulo Castro
O Carnaval das Águas é uma manifestação cultural que existe, há mais de 100 anos, em Cametá (PA). Uma das principais características do evento são os grupos que organizam, produzem e criam suas próprias fantasias e canções, desfilando em barcos pelos rios do município. A festa é dividida tradicionalmente entre cordões e blocos, sendo os mais tradicionais: os Linguarudos do Santana, o Cordão da Bicharada e o Cordão de Mascarados Última Hora do rio Tentém.
Essas informações estão destacadas na dissertação Este sim, veio para alegrar toda a gente: Visualidades Artísticas do Cordão Última Hora do Carnaval das Águas, Cametá (PA), apresentada por Renan Souza D’Oliveira ao Programa de Pós-Graduação em Artes (PPGArtes/ICA/UFPA), orientado pela professora Rosângela Marques de Britto.
Tendo como objeto de estudo o Cordão de Mascarados Última Hora do rio Tentém, o publicitário analisou a visualidade e o processo criativo das máscaras, do estandarte e do barco de desfile do grupo, além de descrever o processo criativo da família tipográfica “Última Hora”. Durante a pesquisa, Renan D’Oliveira fez um registro audiovisual desde a sua primeira viagem à região, em 2014.
“A minha afinidade com o carnaval ribeirinho e o Cordão Última Hora teve início antes do meu ingresso na pós-graduação, pois frequento a região do rio Tocantins desde o carnaval de 2014, quando viajei com meus companheiros do Projeto Cartografias Amazônicas, da Faculdade Estácio do Pará, e pude conhecer melhor a manifestação”, lembra o pesquisador.
Autor divide pesquisa em quatro “trajetos”
Renan Souza D’Oliveira dividiu a dissertação em quatro partes, que ele chama de “trajetos”. No primeiro trajeto (início da viagem), Renan D’Oliveira fala sobre as primeiras idas a Cametá e sobre o seu papel como brincante do carnaval da região. O autor conta a história da cidade e cita a pesquisa de campo na Comunidade Tentém, localizada nos afluentes do rio Tocantins.
O segundo trajeto traz um breve estudo sobre as origens do carnaval, o início dos cordões dentro da cultura carnavalesca, além da história da manifestação cultural centenária do Carnaval das Águas e do Cordão Última Hora. O pesquisador Renan Souza D’Oliveira entrevistou membros do cordão, como o Mestre Vital 1, também conhecido como Engole Cobra, e Eulálio Tenório dos Santos, o Mestre Vital 2.
A dissertação traz entrevistas que indicam que o Cordão de Mascarados do Última Hora foi criado em 1934, pelos irmãos Cornélia e Atílio Ranieri, descendentes de italianos e moradores da região do Tentém, inspirados nos cordões carnavalescos da época. O cordão encerrou suas atividades por motivos incertos em 1960 e foi reativado em 1990, por Mestre Vital 1.
“Alchimedes Vital Batista, Mestre Vital 1, é um artista importante para a cultura cametaense por seu trabalho com a Banda Engole Cobra e por reativar o cordão em conjunto com o ator Eulálio dos Santos, conhecido como Mestre Vital 2”, revela o pesquisador.
O terceiro trajeto fala sobre o papel do Mestre Vital 2 como artesão do Cordão Última Hora, destacando a plasticidade da criação de máscaras, dos estandartes, do barco e suas letras. “Para estudar a visualidade do cordão, separei três signos importantes e visualmente potentes: o Barco Nossa Senhora das Graças, o estandarte e as máscaras”, explica Renan Souza D’Oliveira .
No quarto e último trajeto, Renan se insere como artista gráfico e documentarista, descreve os processos de criação da família tipográfica Última Hora, catalogando o estilo de letras desenhadas por Mestre Vital 2 nos barcos usados pelo Cordão Última Hora.
“A partir disso, compilei a história da criação do cordão, a beleza da região, dos seus moradores e da manifestação cultural no Documentário audiovisual Cordão de Mascarados Última Hora do Tentém (PA), do qual fui roteirista, diretor de arte e personagem. O documentário é parte integrante do quarto trajeto”, afirma.
Cordão não possui qualquer documento de registro formal
“O passado deste cordão guardado nas memórias individuais e coletivas dos membros. Sua origem não possui qualquer documento visual ou textual. Isso mostra a importância das entrevistas e do material coletado na pesquisa (fotos, vídeos e anotações de campo). Uma etnografia da cultura popular dessa manifestação”, afirma Renan D’Oliveira .
O Última Hora tem cerca de 50 brincantes, número que se modifica de um carnaval para outro. O cordão é formado pelos seguintes personagens: 1° palhaço (tem a função de comandar o cordão), 2°palhaço (uma espécie de assistente do 1° palhaço), o Psiqueiro (o responsável por jogar a psica, o azar, a negatividade, tudo com o objetivo de provocar o riso da plateia), o Velho e a Velha (possuem a mesma função do Psiqueiro, que é atrapalhar os comediários) e os Comediários (geralmente, um casal que interage durante as apresentações, usando o flerte entre as personagens e outras formas textuais para fazer rir).
Os símbolos escolhidos para nortear a pesquisa foram o estandarte, o Barco Nossa Sra. das Graças e as máscaras. O estandarte tem a função de identificar o cordão pelo nome e pela região, nos rios e em terra firme, apresentando as cores: verde (representando a floresta), o amarelo (a riqueza do Brasil) e o vermelho (representando o carnaval).
“O Barco Nossa Sra. das Graças é transporte e signo da potência do cordão. As letras no barco, desenhadas pelo Mestre, além de ajudar a comunicação visual do barco com o observador, transmitem a estética da cultura ribeirinha”, explica Renan D’Oliveira . As máscaras fazem parte de uma tradição não só do Carnaval das Águas, mas também da comunidade. Elas são o item de figurino indispensável no carnaval do Última Hora, usado apenas pelos brincantes do sexo masculino. No início, eram feitas com barro, atualmente, Mestre Vital 2 confecciona máscaras com garrafas de plástico e faz adaptações de algumas peças compradas no comércio local.
“O Carnaval das Águas é uma manifestação centenária que poucas pessoas conhecem. Existem vários grupos e cordões populares que merecem ser descobertos e estudados. Acredito que a minha dissertação foi o pontapé para que pesquisadores, artistas e produtores culturais conheçam e busquem estudar essas manifestações únicas”, conclui Renan D’Oliveira .
Prêmios
Renan D’Oliveira produziu dois artigos, premiados como melhor ilustração no Congresso de Ciências da Comunicação por duas vezes (2015 e 2016) e uma vez no Congresso Nacional de Ciências da Comunicação – INTERCOM (2015).
Glossário
Cordão: agremiação recreativa carnavalesca. Seu nome deriva das cordas dos instrumentos tocados pelo grupo que organizava a brincadeira.
Bloco: grupos de desfile carnavalesco composto por homens e mulheres.
Estandarte: bandeira com função de identificar o cordão pelo nome e pela região.
Tipografia: a arte e o processo de criação na composição e impressão de um texto, física ou digitalmente.
Comediário: personagem do cordão que interage com a plateia nas apresentações.
Brincantes: as pessoas que participam como personagens, dançarinos ou banda musical do cordão.
Beira do Rio edição 157
Redes Sociais