Ir direto para menu de acessibilidade.

GTranslate

Portuguese English Spanish

Opções de acessibilidade

Início do conteúdo da página

 Quando o luto vira luta

Publicado: Sexta, 13 de Agosto de 2021, 17h15 | Última atualização em Sexta, 13 de Agosto de 2021, 17h15 | Acessos: 1411

Pesquisa discute as narrativas de mães que tiveram os filhos assassinados na periferia

imagem sem descrição.

Por Matheus Luz Foto Acervo da Pesquisa

Enfrentar a perda de um ente querido é um momento difícil de ser descrito concretamente. Lidar com a dor é ainda mais complicado quando a vida é encerrada precocemente e de maneira violenta, sem justificativa e em um contexto de marginalização e estigmas sociais.

A estudante da Faculdade de Serviço Social (ICSA/UFPA) Lais Ribeiro Gama se debruçou sobre essa realidade expressa nas periferias de Belém (PA), em que é possível observar o impacto de um contexto social de preconceito latente evidenciado nas ações policiais violentas e do crime organizado que, muitas vezes, tiram a vida de jovens das áreas periféricas da cidade. Na Iniciação Científica, a estudante observou o movimento de mães e familiares de vítimas da violência e suas demandas por justiça, analisando as narrativas de dor daquelas que perderam seus filhos de forma violenta no Pará.

A pesquisa Narrativas de dor: Gênero e política em movimentos de familiares de vítimas de violência do Estado foi orientada pelo professor Jean-François Yves Deluchey (FASS/ICSA) e financiada com bolsa de Iniciação Científica pela Universidade Federal do Pará. O estudo é resultado de um trabalho coletivo do Grupo de Estudos sobre as Normalizações Violentas das Vidas na Amazônia (Cesip-Margear), orientado pelo professor Yves Deluchey, nos anos de 2017 e 2019. A pesquisa também contou com o financiamento do  Special  Program  Security,  Society  and  the  State,  da  Fundação  alemã  Gerda  Henkel Stiftung (Düsseldorf), que possibilitou o estudo do “Extermínio da juventude” no estado do  Pará. Contou ainda com o financiamento do CNPq, ao qual o orientador foi contemplado pelo edital universal de 2018.

O fenômeno social chamado de extermínio da juventude periférica é caracterizado como um reflexo dos estigmas que cercam estes espaços marginalizados socialmente, como os estereótipos de violência e criminalidade atribuídos à população pobre. Baseada em dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) de 2020 e no estudo realizado pelo professor Jean-François Yves Deluchey, “Biopolítica e morte no Brasil: o extermínio da juventude negra (ultra)periférica na Amazônia”, a estudante Lais Ribeiro Gama avalia que a maioria dos jovens vítimas do crime organizado e de ações policiais violentas na periferia são negros e com baixa escolaridade.

Da invisibilidade ao protagonismo no debate público

A pesquisa buscou identificar a importância do protagonismo das mães nos movimentos de familiares de vítimas do extermínio da juventude de periferia, além de destacar como essas mulheres saíram de seus papéis de invisibilidade feminina, no ambiente doméstico-familiar, para se tornarem agentes-chave no debate público sobre os eventos de homicídios, transformando o luto em luta.

"Quando esses jovens são executados, quem fala por eles? Quem grita por justiça? São as mães que falam pelos seus mortos. Elas tomam a frente dos movimentos sociais que lutam por justiça, não aceitam a impunidade, gritam os nomes dos filhos para que não sejam esquecidos. São mulheres negras, donas de casa ou empregadas domésticas, em sua maioria. Mulheres que aprenderam a se articular para denunciar que seus filhos foram mortos por pertencerem a um espaço social marginalizado, em que as vidas parecem valer menos e as políticas sociais não chegam”, discute Lais Ribeiro Gama.

A metodologia empregada na pesquisa iniciou com a revisão bibliográfica em paralelo aos estudos de campo, com a participação em um evento no ano de 2019, em memória das vítimas da “chacina de Belém”, que ocorreu em 2014. Com o novo cenário estabelecido pela pandemia da Covid-19 em 2020, a execução das atividades previstas precisou ser adaptada, como a realização das entrevistas com as mães sendo feitas por aplicativos de trocas de mensagens e por redes sociais. Ao final, foi realizada uma análise interpretativa que cruzou os depoimentos das mães com as referências bibliográficas sobre o tema para responder aos objetivos propostos no plano de trabalho.

A pesquisa discute a ressignificação da dor das mães de vítimas da violência do Estado. A estudante observa que a dor da perda, os sentimentos de saudade e o vazio deixados por seus filhos assumem um novo sentido, uma motivação para buscar justiça e mudar a realidade. “Elas guardam sua dor para consolar e amparar outras mães, denunciam o massacre em toda e qualquer oportunidade e cobram medidas concretas do Estado e de seus agentes para frear esse extermínio. Elas querem que a juventude da periferia viva, e isso as motiva a continuar. O luto se transforma em uma luta coletiva”, afirma a bolsista.

Mães, tias e avós inspiram e lideram o movimento

No estudo, Lais Gama observou que, dentro do movimento de familiares de vítimas do extermínio, não somente mães, mas também tias e avós se tornam agentes inspiradoras para reivindicar justiça. A pesquisadora percebe como essas mulheres adquiriram desenvoltura para falar em público, já que nenhuma outra pessoa poderia expressar com maior legitimidade a dor da perda do filho. “O protagonismo delas dentro dos movimentos sociais é de suma importância, pois suas narrativas não são apenas do local de fala de mulheres moradoras de periferia, mas também de um lugar de dor, de mães que perderam parte de suas vidas e, juntas, conseguiram ressignificar essa dor, usá-la como estímulo para seguir em frente. Elas saem de um papel de invisibilidade social para o de protagonistas na luta por justiça. Nenhuma narrativa poderia ser mais legítima do que a delas”, ressalta Lais Gama.

A estudante ressalta como sua participação voluntária no Cesip-Margear, no início da graduação, foi fundamental para conhecer o campo da pesquisa acadêmica e, futuramente, tornar-se bolsista de Iniciação Científica. “Ter sido voluntária na pesquisa não foi fácil, eu não tinha internet muito menos computador em casa, mas, com o apoio da família, de amigos e do professor Deluchey, consegui superar esses e muitos outros desafios. Sou grata aos que fizeram parte da minha trajetória e, principalmente, às mulheres do Coletivo de Mães Vítimas do Extermínio de Jovens das Periferias de Belém do Pará, que compartilharam comigo suas histórias”, conclui a estudante.

Beira do Rio edição 159

Adicionar comentário

Todos os comentários estão sujeitos à aprovação prévia


Código de segurança
Atualizar

Fim do conteúdo da página