Saúde para o corpo e para a mente
Efeitos do atendimento multidisciplinar após cirurgia bariátrica
Por Flávia Rocha Ilustração CMP
Segundo a Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia, o Brasil é o segundo país onde mais se realizam cirurgias bariátricas no mundo - perde apenas para os Estados Unidos. E, em cerca de metade dos casos, ocorre a chamada recidiva, que é o ganho de 10% do menor peso estável no pós-operatório. O ganho de peso após a cirurgia é normal até certo ponto, no entanto nota-se que ainda há concepções erradas a respeito da cirurgia bariátrica, uma vez que ela deve ser usada como uma forma de tratamento da obesidade. Isso torna necessário que o paciente continue a ser acompanhado, mesmo após a cirurgia, por uma equipe multidisciplinar de saúde.
A relação das pessoas com a comida é complexa. Além de a vida social estar diretamente ligada a algum tipo de refeição, o ato de comer também serve como uma forma de descarregar diversas emoções, o que pode causar culpa no indivíduo. Essa culpa é ainda mais real para mulheres, que compõem cerca de 76% dos casos de cirurgias bariátricas. Elas sofrem grandes pressões em relação a seus corpos, e isso é fonte de ansiedade em relação à comida. Dessa forma, mesmo depois de grandes mudanças no corpo - como acontece após a bariátrica -, os pacientes têm dificuldades em mudar de comportamento e permanecem com os velhos hábitos.
Nesse sentido, o acompanhamento psicológico também é importante. "É uma questão de autoconhecimento, e a terapia ajuda a compreender melhor várias questões. E, se eu me conhecer, saberei lidar com os problemas que aparecerem na minha vida", afirma a pesquisadora Amanda Chaves Marcuartú, autora da dissertação Efeitos de dois tipos de intervenção nutricional em mulheres com recidiva de peso após cirurgia bariátrica. O estudo foi defendido no Programa de Pós-Graduação em Neurociências e Comportamento (PPGNC/NTPC), com orientação das professoras Daniela Lopes Gomes e Silene Maria Araújo de Lima.
Um caminho para fazer as pazes com a comida
A pesquisa propôs duas condições de treino, CTA e CTB, para quatro mulheres que realizaram cirurgia bariátrica há pelo menos 24 meses e não possuíam acompanhamento nutricional. A CTA consistia no atendimento nutricional que geralmente é oferecido às pacientes: há uma consulta com a nutricionista, que prescreve uma dieta. Então, as pacientes retornam semanalmente para serem pesadas. Essa etapa durou dois meses.
“Já na CTB, não havia dieta. As pacientes receberam algumas recomendações, disponíveis no Guia Alimentar da População Brasileira, do que seria uma alimentação saudável, mas sem especificar quantidades nem restrições. Nós inserimos as pacientes em um grupo de discussão comigo e com uma psicóloga. Durante as sessões, nós abordávamos diversos assuntos, como relação com a comida, ansiedade, autoestima, entre outros. Elas também participaram de oficinas de culinária e meditação”, explica a nutricionista.
A atividade em grupo é importante, pois elas compartilham as dificuldades, o que ajuda a diminuir a sensação de solidão. O grupo também serve para oferecer apoio mútuo, pois, às vezes, as pacientes não encontram esse apoio em casa. Assim, segundo Amanda Marcuartú, para que o CTB fosse considerado uma opção viável, o principal objetivo das sessões em grupo era que as pacientes “fizessem as pazes com a comida”.
Antes do início das condições de treino, foram aplicados questionários para avaliar comportamento alimentar, ansiedade, composição corporal (gordura, músculo e peso). Essas informações coletadas na fase preliminar do estudo foram chamadas de linha de base. Os questionários foram aplicados novamente ao final de cada condição de treino. Com esses dados, foi possível verificar qual das condições de treino surtiu mais efeito em relação à linha de base.
“A CTB mostrou melhores resultados, pois, ao aplicarmos uma dieta, podemos deixar o paciente ansioso. A dieta é uma regra imposta e, quando a pessoa não segue a regra, há sentimentos de culpa e ansiedade. Nas áreas como comportamento alimentar e ansiedade, as participantes mostraram uma melhor evolução com a CTB. Em relação com a composição corporal, os resultados de CTA e CTB foram parecidos. Mesmo se o objetivo for perder peso, a CTB é a melhor alternativa”, avalia a nutricionista.
Autora alerta: cirurgia é tratamento e não solução
“É importante lembrar que as mudanças são gradativas. Quando falamos de tratamento para pessoas com problemas com a alimentação, o objetivo não deve ser a perda de peso, pois isso pode influenciar de forma negativa a maneira como ela vai lidar com a comida. O emagrecimento deve ser uma consequência”, alerta Amanda Marcuartú.
A cirurgia bariátrica é um tratamento para obesidade que deve ser usado quando nenhum outro funcionou. Além disso, existem várias condicionantes para a cirurgia, como um Índice de Massa Corporal (IMC) mínimo e idade apropriada. A autora destaca que os médicos devem alertar o paciente de que a cirurgia faz parte do tratamento assim como o acompanhamento nutricional e psicológico, tanto antes como depois do processo cirúrgico. Sem esse esclarecimento, o paciente pode pensar que a cirurgia é a cura para a obesidade, o que não é o caso.
“Percebi que a maioria das participantes não tinha essa informação de que bariátrica não cura a obesidade. Eu acho que essa é uma das primeiras questões a serem discutidas entre médico e paciente. A cirurgia é parte de um processo, então, no pós-cirúrgico, você deve melhorar a sua relação com a comida e fazer atividades físicas. Isso vai além de simplesmente emagrecer. É uma questão de saúde, que não constatei durante o estudo”, revela Amanda Marcuartú.
“A equipe de saúde envolvida na cirurgia bariátrica deve perceber a importância de trabalhar outros aspectos, que vão além da dieta e da cirurgia em si. Nós conseguiremos resultados mais positivos e proveitosos para os pacientes. Esta pesquisa também pode contribuir com o tratamento que precede a cirurgia, revertendo o quadro de obesidade sem intervenções invasivas. Mesmo para quem não é obeso, percebemos que a dieta, sem outros tipos de acompanhamento, não é o melhor tratamento. A terapia é muito importante para qualquer pessoa”, finaliza a pesquisadora.
Curiosidades sobre a Pesquisa
- Em relação à percepção e à satisfação com o apoio familiar, todas as participantes responderam que a família apoiou a decisão de fazer a cirurgia bariátrica e que elas ficaram muito satisfeitas com esse apoio.
- Durante o tratamento após a cirurgia, as participantes P2 e P3 afirmaram que continuavam muito satisfeitas com o apoio familiar recebido, porém P1 e P4 relataram que suas famílias eram indiferentes ao seu tratamento pós-operatório, e isso dificultava o cumprimento da dieta.
- Quanto ao acompanhamento nutricional, a paciente P1 iniciou um mês após a cirurgia; P2 e P3, uma semana após a cirurgia, e P4 foi a participante que iniciou esse acompanhamento mais tardiamente, após cinco anos de cirurgia. Nenhuma delas recebeu acompanhamento psicológico.
- Todas as participantes possuíam pessoas na família ou no convívio social que apresentavam obesidade ou que já haviam realizado a cirurgia bariátrica, porém a maioria não realizava acompanhamento com uma equipe multiprofissional.
- Durante a CTA, as participantes tiveram oscilações de peso, pois tinham dificuldade em seguir as dietas nos fins de semana e em eventos, comendo exageradamente. Dessa forma, durante a semana, elas seguiam a dieta e comiam menos, causando muitas variações de peso.
- Uma das técnicas usadas durante o estudo foi a atenção plena ou mindfulness. A técnica consiste na completa atenção no momento presente, com uma atitude de abertura e curiosidade. Quando aplicada à alimentação, a atenção plena envolve observar os aspectos sensoriais dos alimentos, como gosto, aroma e aparência, bem como os pensamentos, as emoções e as sensações corporais que acompanham a alimentação. A atenção plena busca levar as pessoas a comerem sem julgamentos ou críticas, com atenção às sensações físicas e emocionais despertadas durante a refeição.
Beira do Rio edição 160
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