Opinião
Pesquisadores formulam pedido de amicus curiae em ação sobre trabalho escravo
Por Valena Jacob Chaves Mesquita Foto Acervo Pessoal
Na última sexta-feira, dia 1º/10/2021, foi protocolada petição nos autos do Recurso Extraordinário Nº 1.323.708/PA no Supremo Tribunal Federal, requerendo a participação da Clínica de Direitos Humanos da Amazônia da Universidade Federal do Pará (UFPA) e da Clínica de Direitos Humanos e Direito Ambiental da Universidade do Estado do Amazonas (UEA) como amicus curiae, a fim de auxiliar a Suprema Corte na elaboração da tese de repercussão geral a ser formulada no julgamento do recurso.
Na cultura jurídica brasileira, assim como na de outros Estados Nacionais e Cortes internacionais, o instituto do amicus curiae é de grande relevância. O “amigo da corte” não integra o elenco de litigantes, mas oferece informações técnicas e indispensáveis à promoção da justiça, especialmente em casos de relevância no contexto social (Didier Júnior, 2019).
A intervenção do “amigo da corte” está prevista no artigo 138 do CPC de 2015, que passou a abranger essa nova modalidade de intervenção de terceiros, como uma forma de promover a participação da sociedade civil na atividade jurisdicional do Poder Judiciário, desde que comprovada a sua legitimidade, por meio da exposição de conhecimento em determinada área, permitindo, assim, que mais pessoas e instituições sem CNPJ pudessem ser admitidas como amicus, como professores, pesquisadores e grupos de pesquisa, como é o caso em questão.
A ação na qual a petição de amicus curiae foi protocolada trata sobre a temática do trabalho análogo ao de escravo, mais precisamente acerca da configuração de condições degradantes de trabalho no meio rural. A ação penal originária objetiva a condenação de infratores pela prática do crime de redução à condição análoga à de escravo, tipificado no artigo 149 do Código Penal.
Em 2006, 52 trabalhadores foram resgatados de três fazendas situadas no município de Abel Figueiredo/PA, em que, além da violação de diversos direitos trabalhistas, havia: a submissão a jornadas extenuantes de trabalho, em condições insalubres; a submissão a alojamentos coletivos sem estrutura; o não fornecimento de água potável; a disponibilização de alimentos estragados e o não fornecimento de equipamentos de primeiros socorros.
Ao julgar o referido Recurso Extraordinário, o Supremo deverá fixar tese de Repercussão Geral, um entendimento base, acerca de dois aspectos: a constitucionalidade da diferenciação das condições de trabalho necessárias à sua tipificação como degradante com base no local em que for realizado, bem como o standard probatório necessário à condenação pelo crime previsto no artigo 149 do Código Penal.
Tendo em vista a relevância do tema, bem como das teses a serem estabelecidas pela Suprema Corte, foi formulado o pedido de participação na condição de amicus curiae (“amigo da Corte”), com o intuito de fomentar o debate e auxiliar a construção de um entendimento com o apoio de especialistas e pesquisadores diretamente envolvidos no tema.
Neste sentido, ressalta-se que o pedido consiste em uma parceria firmada entre pesquisadores da Clínica de Direitos Humanos da Amazônia, vinculada ao Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal do Pará (UFPA), e pesquisadores da Clínica de Direitos Humanos e Direito Ambiental – ED da Universidade Estadual do Amazonas (UEA), ambas integrantes da Rede Amazônica de Clínicas de Direitos Humanos. Ademais, também participaram da elaboração do documento membros do Grupo de Pesquisa (CNPq) “Direitos Humanos na Amazônia” (UEA) e do Grupo de Pesquisa (CNPq) “Novas Formas de Trabalho, Velhas Práticas Escravistas” (UFPA).
Isso significa que o pedido foi formulado por pesquisadores de graduação e pós-graduação, docentes e profissionais diretamente envolvidos com a temática do trabalho em condições análogas às de escravo. O objetivo foi fornecer uma visão especializada sobre o tema, com base nas experiências e nos conhecimentos de quem pesquisa e vivencia o enfrentamento ao problema da escravidão contemporânea na Amazônia e no Brasil.
A petição apresentada nos autos do Recurso Extraordinário 1.323.708/PA é assinada pelos advogados: Valena Jacob Chaves Mesquita (Doutora em Direito e professora e pesquisadora da Clínica de Direitos Humanos da Amazônia da Universidade Federal do Pará – UFPA); Sílvia Maria da Silveira Loureiro (Doutora em Direito e coordenadora da Clínica de Direitos Humanos e Direito Ambiental da Escola de Direito da Universidade do Estado do Amazonas –ED/UEA); Robson Heleno da Silva (Doutorando em Direito pelo PPGD/UFPA e diretor geral da Comissão de Combate ao Trabalho Forçado – Cotraf da OAB/PA.
A petição foi elaborada utilizando a metodologia do ensino clínico, de suma importância para a formação prática em Direitos Humanos dos estudantes de Graduação e Pós-Graduação em Direito, visto que permite, com base no estudo de um caso real ou hipotético (desde que apresente alguma repercussão para a sociedade), definir diferentes estratégias para a solução de problemas jurídicos.
Valena Jacob Chaves Mesquita – Doutora em Direito, professora e pesquisadora da Clínica de Direitos Humanos da Amazônia da Universidade Federal do Pará (UFPA).
E-mail: valenajacob@ufpa.br
Beira do Rio edição 160
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