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Entrevista: Um prêmio para reduzir desigualdades

Publicado: Sexta, 17 de Dezembro de 2021, 18h59 | Última atualização em Sexta, 17 de Dezembro de 2021, 18h59 | Acessos: 827

De acordo com Thaisa Michelan, mulheres são maioria na graduação, mas recebem menos apoio das agências de fomento.

Por Walter Pinto Foto Acervo Pessoal

Pesquisadora dos Programas de Pós-Graduação em Ecologia (UFPA/Embrapa) e de Pós-Graduação em Botânica Tropical (UFRA/Museu Goeldi), a bióloga Thaisa Sala Michelan, doutora em Ecologia de Ambientes Aquáticos Continentais, foi uma das sete cientistas brasileiras agraciadas com o Prêmio Mulheres na Ciência de 2021, que, este ano, registrou 300 inscrições. Docente da UFPA com atuação nos Laboratórios de Ecologia de Produtores Primários e de Ecologia e Conservação, do Instituto de Ciências Biológicas, ela é corresponsável pela formação de 78 alunos, da graduação ao doutorado. Na entrevista a seguir, Thaisa Michelan discorre sobre as dificuldades das mulheres no fazer Ciência no Brasil e ressalta que a premiação vem diminuir as desigualdades entre gêneros no meio científico, proporcionando reconhecimento às mulheres pesquisadoras e financiamento para investir em ciência. 

O Prêmio L”Oréal para Mulher na Ciência

O Prêmio L'Oréal, em parceria com a Unesco e a Academia Brasileira de Ciências (ABC), para Mulheres na Ciência de 2021 veio para combater as desigualdades no meio científico e proporcionar financiamento e reconhecimento para as pesquisadoras brasileiras. O prêmio é anual. Após a avaliação do projeto e do currículo, são selecionadas sete mulheres nas áreas de Matemática, Ciências Físicas, Ciências Químicas e Ciências da Vida. Cada uma das cientistas contempladas leva 50 mil reais para serem usados na execução dos seus projetos de pesquisa. Anualmente, desde 2006, um edital é aberto no site https://www.forwomeninscience.com/ especialmente para jovens pesquisadoras que tenham defendido o doutorado em até cinco anos. Um júri formado por pesquisadores brasileiros, também informado no edital, avalia as propostas submetidas. Em 2021, o prêmio registrou aproximadamente 300 inscrições.

A mulher na Ciência

A dificuldade da mulher é real, mas não só na Ciência. Hoje elas precisam trabalhar dobrado e explicar que são capazes de exercer qualquer atividade. Muitas enfrentam jornadas duplas – no trabalho e em casa. Muitas vezes, a vida nos obriga a deixar o trabalho de lado e nos dedicar mais à família, caso contrário, somos julgadas pela sociedade como “más esposas” ou “más mães”. Estudos apontam que, durante a graduação, as mulheres são a maioria, 53%, mas, quando estamos concorrendo a fomentos de pesquisa, somos apenas 36% das agraciadas por financiamentos do CNPq, por exemplo. Avaliando os dados dos 100 mil cientistas mais influentes do mundo, apenas 600 são brasileiros e, entre esses, só 11% são mulheres. Dos quase quatro mil mais citados do mundo, apenas dez são brasileiros e, desses, só 20% são mulheres.  Esses números, por si só, reforçam o que ocorre em todas as áreas e, por isso, um programa de incentivo à mulher é extremamente louvável, independe da área de atuação.

Trabalho de campo

Problemas ocorrem principalmente quando há atividade de campo. Em alguns casos, somos julgadas por, teoricamente, não termos força física suficiente para realizar tal atividade, sofremos com assédios morais e sexuais, o que nos deixa inseguras em realizar algumas atividades, o que não deveria acontecer. Mas, independente disso, continuamos persistindo e lutando. Somos resilientes e, juntas, podemos fazer esse mundo um lugar melhor para nossas meninas. Uma questão importante para termos em mente é que não adianta apenas apoiarmos uma causa, precisamos lutar para que ela aconteça. Se, diariamente, todos nós promovermos a igualdade de oportunidades e de representações, acredito que, em breve, comemoraremos bons resultados.

Estudo sobre plantas aquáticas

No projeto submetido ao Programa L’Oréal-Unesco-ABC For Women in Science – Brasil, iremos pesquisar a distribuição e a conservação das plantas aquáticas na Amazônia, mas com enfoque no estado do Pará. Essas plantas são organismos que podem ser usados como indicadores da biodiversidade aquática em virtude de sua sensibilidade a mudanças ambientais, importância na estruturação do ambiente para outras espécies e por serem utilizadas pelas comunidades ribeirinhas na alimentação, na ornamentação e no conhecimento tradicional.

Os ambientes de água doce ocupam menos de 1% da superfície da Terra e compõem apenas 0,01% de toda a água do planeta. Mesmo assim, abrigam cerca de 10% de todas as espécies conhecidas e sua conservação é de extrema importância, pois não conseguiremos sobreviver sem água. A perda da vegetação ribeirinha em riachos, lagos e rios causa mudanças na paisagem. O assoreamento desses locais impacta negativamente a diversidade aquática, incluindo as plantas, levando à extinção de espécies, e as consequências disso ainda precisam ser estudadas. Atualmente, são necessários estudos que sumarizem o conhecimento e avaliem como as mudanças ambientais podem alterar a distribuição das macrófitas aquáticas. Esse projeto também  possibilitará a continuidade do intenso trabalho de formação de recursos humanos que os Laboratórios de Ecologia de Produtores Primários (ECOPRO) e Laboratório de Ecologia e Conservação (LABECO) vêm desenvolvendo na UFPA.

Desmatamento e desequilíbrio ambiental

Estudo macrófitas aquáticas desde a graduação. Durante a pós-graduação, foquei no efeito das plantas aquáticas invasoras na biodiversidade. O desmatamento e o desequilíbrio ambiental vêm afetando não só as plantas, mas também todo o ecossistema aquático, infelizmente. A mudança abrupta da paisagem pelo desmatamento afeta o número de espécies e a abundâncias de indivíduos, causando um desequilíbrio das plantas e dos animais que vivem no local. Não é possível agora falar quantas espécies foram extintas ou estão no processo de extinção, porque as pesquisas na Amazônia ainda não foram suficientes para conhecer a real biodiversidade existente ou que existia antes de as alterações antrópicas começarem a acontecer, por isso é tão importante trabalhos de biodiversidade como este.

A Ciência em tempo de pandemia

Estes dois últimos anos foram difíceis para todos, incluindo para as atividades dentro da Universidade. Tivemos as atividades paralisadas, respeitando e colocando em prática o protocolo de saúde e bandeiramento da UFPA e, assim, fomos nos reinventando e redescobrindo como pessoas, como pesquisadores e como professores. Em momento algum, paramos totalmente: nossas reuniões, discussões de dados e projetos, sessões de orientações e aulas começaram a ser on-line. Começamos a utilizar dados e informações para outros trabalhos científicos e focamos em trabalhos de cienciometria – trabalhos baseados em levantamento bibliográfico que podem ser feitos em casa.

Apesar de, em alguns momentos, termos ficado impossibilitados de trabalhar presencialmente na UFPA, houve uma intensificação da pesquisa e do ensino de forma remota. Mas um impacto, que não posso deixar de citar, foram as condições dos nossos alunos para fazerem todas essas atividades on-line. Isso foi e é uma grande preocupação minha e de muitos professores. O novo coronavírus abalou não só as condições de vida da população, mas também a qualidade do ensino recebido, ou seja, em muitos casos, ampliou as desigualdades sociais e de oportunidades existentes na sociedade.

Planos para o futuro

É fantástico o que a Universidade pode fazer na vida das pessoas, como pode mudá-las, diretamente e indiretamente, com o conhecimento sendo aplicado na sociedade. Foi dentro da Universidade que tive a chance de fazer o que amo e abrir caminhos diferentes para o futuro de muitos alunos. Para o futuro, se ainda existir meio ambiente – infelizmente-, quero ajudar a dar visibilidade à pesquisa sobre biodiversidade e ao grupo de trabalho da UFPA, tentando aplicar o conhecimento gerado de forma direta na vida da população. Sempre digo que trabalhamos para e pela sociedade, não temos nenhum objetivo diferente do que fazer pesquisa e ensino de qualidade, com resultados que possam ser revertidos para melhorar a qualidade e as condições de vida das pessoas – é isso que me move como cientista e professora. Torço para que este e os próximos prêmios possam inspirar as nossas meninas.

Beira do Rio edição 161

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