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Abastecimento com ajuda de São Pedro

Publicado: Terça, 15 de Março de 2022, 17h55 | Última atualização em Terça, 15 de Março de 2022, 17h57 | Acessos: 1553

Tese analisa Projeto Sanear Amazônia em quatro Resex na região

Mesmo considerando as especificidades locais, a tecnologia social pode oferecer atendimento contínuo per capita para 50 litros/dia (na estação chuvosa) e 20 litros/dia (no verão).
#ParaTodosVerem: Fotografia panorâmica em que se vê um pequeno barco navegando pelo rio. A vegetação ocupa as margens da direita e da esquerda, e o céu está coberto por nuvens de chuva.
#ParaTodosVerem: Fotografia panorâmica em que se vê um pequeno barco navegando pelo rio. A vegetação ocupa as margens da direita e da esquerda, e o céu está coberto por nuvens de chuva.

Por Adrielly Araújo Foto Alexandre de Moraes

Apesar de estar na maior reserva de água doce do planeta, a população da região amazônica enfrenta grande desigualdade no abastecimento de água potável. Contornos peculiares de ocupação do solo; distribuição demográfica irregular, com elevada dispersão nas áreas rurais; e diferenças climáticas são alguns fatores que contribuem para essa desigualdade. O quadro fica mais grave com a degradação ambiental, o desperdício e a ineficiência da gestão dos recursos hídricos.

De acordo com Nircele da Silva Leal Veloso, que apresenta as informações acima em sua tese, a população amazônica já convive com um cenário de crise de abastecimento de água potável. “Em vista disso, algumas políticas públicas vêm sendo implementadas na região, entre elas, o Projeto Sanear Amazônia. A iniciativa é um exemplo da expansão do Programa Um milhão de cisternas para o bioma amazônico, especialmente no atendimento às famílias das Reservas Extrativistas (Resex)”, explica.

O estudo de Nircele Veloso, intitulado Política pública de abastecimento pluvial: água da chuva na Amazônia e por que não?, foi apresentado no Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Sustentável do Trópico Úmido (PPGDST/NAEA) da Universidade Federal do Pará e orientado pela professora Nírvia Ravena.

O principal objetivo, de acordo com a autora, foi avaliar o modelo de abastecimento pluvial promovido pelo Sanear Amazônia, em quatro Resex amazônicas. Para alcançá-lo, alguns objetivos secundários foram construídos: a caracterização das variáveis socioeconômicas, institucionais e ambientais das famílias alcançadas pelo Sanear Amazônia; a análise do modelo de abastecimento de água ofertado pela política pública quanto à sustentabilidade, no que tange à suficiência, segurança, aceitabilidade e acessibilidade; e a discussão da captação da água da chuva na perspectiva de acesso sustentável à água.

Hábitos, costumes e condições de moradia diversos

“Analisar uma política pública não é um trabalho fácil, principalmente em comunidades que possuem hábitos, costumes e condições de moradia tão diversos. No mesmo estudo, temos: comunidades com sistemas de abastecimento inseridos em um ambiente de forte influência marinha, como Soure; localidades ribeirinhas em grandes rios, como o Amazonas; comunidades cravadas no meio da floresta, com extremas dificuldades de acesso, e ainda povos que vivem próximo aos seringais, em Xapuri, no Acre”, conta Nircele da Silva Leal Veloso.

De acordo com a autora, o caminho metodológico contou com questionários fechados, entrevistas semiestruturadas, observação direta e registro fotográfico das visitas de campo realizadas em quatro Reservas extrativistas amazônicas: Chico Mendes (Acre); Rio Cajari (Amapá); Médio Juruá (Amazonas) e Reserva Marinha de Soure (Pará).

A coleta de dados foi realizada durante as visitas às comunidades das reservas, aos órgãos públicos, às associações e cooperativas. “Durante essas viagens que, em algumas localidades, duraram mais de uma semana, foi possível perceber a dinâmica de apropriação do modelo de abastecimento pelas famílias em cada comunidade”, revela a autora.

Pautados em portarias e normativas do Ministério do Desenvolvimento Social, os modelos de abastecimento por meio da coleta e do tratamento de água da chuva preveem adaptações a algumas especificidades amazônicas. “Independentemente do sistema adotado, autônomo ou coletivo, eles trazem a possibilidade de abastecimento complementar, que, em caso de restrições pluviométricas, típicas da sazonalidade climática amazônica, pode favorecer o atendimento contínuo dos beneficiados, ao satisfazer a demanda per capita de 50 litros/dia (na estação chuvosa) e 20 litros/dia (no verão)”, conta Nircele Veloso.

“Como o sistema foi desenhado para atribuir responsabilidades ao morador, tornando-o um componente fundamental no programa, a forma como a família se apropria da iniciativa e se auto-organiza nas tarefas necessárias para o funcionamento da coleta interfere no sucesso do abastecimento. E essa questão difere em cada comunidade”, afirma a engenheira.

Entendimento local interfere no uso dado ao sistema

De acordo com Nircele da Silva Leal Veloso, o principal entrave para o uso dessa tecnologia, como forma de abastecimento na Amazônia, é o fato de ela não ser aceita como “tecnologia social”, e sim como uma ação do governo. “No Baixo Cajari, a comunidade reconfigurou o sistema e passou a utilizá-lo de maneira diversa da que foi concebida. Segundo eles, a água do rio poderia ser tratada e utilizada para abastecimento comunitário, o que subutilizaria a tecnologia de coleta da chuva. Já as localidades da Reserva Extrativista Marinha de Soure, que encontram dificuldade em lidar com a característica salobra das águas superficiais e subterrâneas, consideram o projeto uma boa alternativa diante da escassez de soluções viáveis para aquele contexto”, explica.

Quanto à análise do parâmetro “segurança sanitária” do projeto, a pesquisadora explica que é possível apontar algumas inconsistências de natureza técnica, ligadas aos procedimentos de descarte de águas não potáveis e à limpeza do telhado, que, se corrigidas, poderiam fornecer água de melhor qualidade aos moradores.

Além disso, a questão econômica é um ponto de vulnerabilidade do programa de abastecimento, pois não há previsão de recursos para a manutenção da estrutura, que seria responsabilidade das associações de moradores. “De forma geral, se bem aceita pela comunidade, com a compreensão integral da dinâmica de funcionamento e o fornecimento do suporte estrutural para manutenções, o programa teria capacidade de atender satisfatoriamente à população mais vulnerável”, avalia Nircele Veloso.

Com as comunidades priorizando as fontes pluviais diante de outros recursos locais e a implantação de medidas de governança que possibilitem o suporte e a manutenção do sistema, Nircele afirma que o Projeto Sanear Amazônia é viável, pois “é inquestionável a vocação natural da região em coletar água da chuva para o abastecimento doméstico”, finaliza.

Beira do Rio edição 162

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