UFPA 65 anos
Escola de Aplicação: o sonho de gerações
Por Jane Felipe Beltrão Foto Alexandre de Moraes / Arquivo ASCOM UFPA
Nasceu no dia 7 de março de 1963 a Escola Primária da Universidade Federal do Pará (UFPA) que corresponde, nos dias de hoje, às chamadas séries iniciais e ao ensino fundamental. Foi carinhosamente denominada Escolinha da Universidade, afinal era frequentada pelas crianças dos(as) técnicos(as) e docentes da Instituição. No ano seguinte, 1964, surgiu o Ginásio de Aplicação, que corresponde ao que chamamos hoje ensino médio, ambas as unidades acadêmicas foram criadas durante o reitorado de José Rodrigues da Silveira Netto.
Mais tarde, em 1975, as unidades foram unificadas e passaram a chamar-se Núcleo Pedagógico Integrado (NPI). Para além do atendimento aos estudantes, o espaço tornou-se o lugar de exercício do estágio supervisionado das licenciaturas oferecidas pela UFPA. Desde 2006, passou a chamar-se Escola de Aplicação, mas ainda hoje usamos Escolinha e NPI, afinal muitas foram as gerações formadas na instituição e cada estudante mantém vivas memórias dos anos de juventude. Um dos interlocutores com quem conversei disse: “Aos poucos, a unidade acadêmica foi se transformando em ‘a escola de todas e todos’ ”.
A Escola iniciou suas atividades em um prédio na Avenida Nazaré, no. 871, que chamávamos de bangalô nos anos 1960 do século passado. Hoje, o espaço é destinado ao estacionamento da representação da Organização das Nações Unidas (ONU). A casa da Nazaré era aconchegante, a “arquitetura do prédio era linda e tinha um chafariz na entrada”, como dizem minhas/meus interlocutoras(es), e, para expressar o sentimento, falam de saudade, dos bons colegas, técnicos(as) e docentes com quem conviveram. Alguns informaram que “longo foi o tempo, do jardim ao convênio”, e continua a estudante de ontem, “lembro com detalhes e alegria”.
Depois da Avenida Nazaré, a unidade acadêmica ganhou roupa nova e passou para a Avenida Governador José Malcher, no. 1291, local onde funciona a Secretaria Municipal de Educação (Semec). À época, ao lado da escola, funcionava a Biblioteca Central da Universidade. Lembro-me de, recém-ingressa na UFPA, escutar a alegria da meninada ao usar a biblioteca.
Algum tempo depois, com a política de concentração dos prédios da UFPA nos campi da Instituição nos bairros Guamá e Terra Firme, a Escola passou para a Avenida Perimetral, no. 1000.
Qualquer um de nós pode fazer um passeio relembrando a “Belém de outrora” e imaginar a algazarra que os pequenos faziam nos lugares que abrigaram a Escola de Aplicação. Quem sabe, muitos tenham fotografias de época e se pense num acervo de imagens. Como seria bom! Quem sabe esses procedimentos ajudassem a preservar o patrimônio de pedra e cal que tanto deveríamos lutar para manter.
Entretanto o melhor da Escola é não se deixar ficar unicamente nos prédios. Muitos falam de uma Escola que foi o sonho de gerações, cujos profissionais, muitos na UFPA, relembram com carinho.
Uma das meninas recém-saída da escola e estudante de Direito da UFPA escreveu entusiasmada: “O que mais me encanta é o seu método de ensino valorizando atividades culturais, artísticas e de pesquisa [que] a torna diferente e proporciona experiências e oportunidades únicas. Foi onde me descobri como mulher negra, me construí politicamente com o grêmio estudantil e dei início à pesquisa e extensão. Hoje, sou grata pelos oito anos como discente e pelos ensinamentos que vão além dos convencionais das salas de aula.” A interlocutora não é filha de pessoa ligada à UFPA, ela mora no entorno da escola, que hoje ampliou seu acolhimento.
Na mesma linha de argumento, um interlocutor, nascido em 1983, escreve: “... cresci num país onde as escolas públicas eram sinônimo de má qualidade. Me contavam com orgulho de um passado de escolas públicas de excelência, mas, nos meus anos escolares, não foi assim. Até que eu entrei no NPI: uma escola pública, de todas e todos, inclusive minha. Lembro de lá: onde sabiam meu nome, minha trajetória escolar, minhas dificuldades e capacidades. Assim como conheciam a de todas as outras crianças, alunas da escola, a maioria desde muito novas. O NPI era a exceção à regra”, reflete o jovem adulto que está entrando “na casa dos entas”, pois completa 40 anos.
Imagina a alegria de ter em mãos depoimentos tão preciosos, tendo referido que “... o público e a excelência se encontravam [no NPI].” E, na verdade, a Escola primava/prima “... não só pelo acompanhamento pedagógico personalizado, mas também pela qualidade das pessoas que trabalhavam/am no NPI. Servidoras públicas, a maioria com plano de carreira e estabilidade. Tinham liberdade para desenvolver, ao máximo, suas profissões. E isso se reflete num ensino reflexivo e crítico.” Nosso entusiasta relaciona os fatos de ontem aos de hoje e diz: “... [o] NPI é como uma Petrobras das escolas. Uma instituição que serve de farol num país de educação privada. O NPI serve de lembrança que a excelência é feita por todas e todos nós. O NPI é o sonho de um país com educação pública de excelência”.
Fico só orgulho de fazer parte dessa história, mesmo sem ter estudado no NPI, pois estudei em escolas públicas e fico feliz que a Escola de Aplicação fez, e continua a fazer, muitos jovens refletirem criticamente. Somos todas(os) pelo ensino público de qualidade e gratuito.
Jane Felipe Beltrão - Professora titular da Universidade Federal do Pará (UFPA), alocada no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH), pesquisadora 1B do CNPq.
E-mail: janebeltrao@gmail.com
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Este texto compõe a série “História e Memória”, na qual a autora escreve sobre os diversos espaços que abrigaram as faculdades da UFPA antes da inauguração do Campus José Rodrigues da Silveira Netto, no bairro Guamá, em Belém.
Beira do Rio edição 162
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