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De minas a manas

Publicado: Sexta, 18 de Março de 2022, 19h14 | Última atualização em Sexta, 18 de Março de 2022, 19h14 | Acessos: 1093

Presença feminina dá nova identidade ao movimento Hip Hop em Belém

Grafite pintado pela artista Cely Feliz no Laboratório de Antropologia da UFPA.
#ParaTodosVerem: fotografia mostra grafite colorido que retrata o rosto de uma mulher indígena. Ela tem pintura corporal e usa um adorno com plumas na cabeça.
#ParaTodosVerem: fotografia mostra grafite colorido que retrata o rosto de uma mulher indígena. Ela tem pintura corporal e usa um adorno com plumas na cabeça.

Por Leandra Souza Foto Alexandre de Moraes 

“Quando eu era menina, o meu sonho era ser homem para defender o Brasil porque eu lia os livros de História e ficava sabendo que existia guerra. Só lia os nomes masculinos como defensores da pátria. Então eu dizia para minha mãe: — Por que a senhora não fez eu virar homem?”.

Esse é um dos inúmeros relatos de uma catadora de papel da década de 1950, chamada Carolina Maria de Jesus, no livro Quarto de Despejo. O pequeno trecho exemplifica como as mulheres, desde muito tempo, são privadas de determinados locais e espaços por conta da predominância masculina, principalmente as mulheres pertencentes a grupos minoritários.

A tese escrita por Leila Cristina Leite Ferreira, Manas: Mulheres negras construindo o Movimento Hip Hop em Belém do Pará, tem o objetivo de abordar a ausência feminina em um cenário cultural tomado por homens e a luta das mulheres por espaço e representatividade. No estudo, Leila aborda temas vinculados ao movimento Hip Hop, como a marginalização, o envolvimento da juventude e a intensa participação de pessoas negras e periféricas. A construção da pesquisa é resultado de uma série de estudos da autora sobre a temática.

“Eu decidi pesquisar sobre o movimento Hip Hop porque eu já fazia parte dos movimentos de arte marginal na periferia de Belém há bastante tempo. Iniciei a pesquisa ainda na graduação. No mestrado, fui pesquisar sobre o elemento grafite. Tanto a pesquisa quanto a militância me mostraram que existia uma constante ausência de atuação das mulheres no movimento. Elas estavam lá, mas, e a sua arte? Então fui procurar conhecer essas mulheres”, declara a autora.

Ao longo da tese, Leila Cristina instiga os leitores com questionamentos que envolvem a falta de acesso de artistas femininas aos espaços de exposição de suas artes até a exclusão do movimento. A cientista social construiu a sua análise metodológica com base em estudos sobre o feminismo negro e o movimento negro, com o intuito de observar as relações de gênero e raça que estão inseridas no movimento Hip Hop.  

“Estudar as mulheres em todos os campos é importante para superar preconceitos. Falar sobre e com as manas do Hip Hop é importante para colocar os seus trabalhos inseridos nas suas perspectivas feministas, dentro e fora do movimento”, afirma Leila.

O movimento que surge nas regiões periféricas

O movimento Hip Hop tem origem nos Estados Unidos, na década de 1970, em bairros majoritariamente povoados por negros e imigrantes, em um período marcado pelo envio de jovens (em especial, negros) para a Guerra do Vietnã. Somado a isso, ainda existiam os conflitos nas regiões periféricas do próprio país, onde jovens negros e imigrantes brigavam entre si pela defesa de seus espaços e territórios. Esse histórico contribuiu para que o jovem jamaicano Afrika Baambata começasse a organizar festas de rua, com momentos de dança, músicas e poesia.

No Brasil, o movimento chegou uma década mais tarde, inicialmente, na Região Sudeste. Em Belém, o primeiro traço artístico do Hip Hop a ocupar a capital foi o grafite, em seguida, o break. Assim, cada componente dessa arte urbana estabeleceu o seu lugar e agregou características regionais e próprias da cidade.

Atualmente, cinco elementos que compõem a identidade do movimento Hip Hop: Grafiteiro (a), Mestre (a) de Cerimônia (Mc), B-girl ou B-boy (dançarinos), Disc Jóquei (Dj ou Djéia) e o conhecimento. Mas, apesar de o movimento Hip Hop desafiar muitos padrões normativos da sociedade, a intensa participação feminina ainda não se apresenta como um deles.

O movimento segrega e isola a atuação das mulheres. Por conta disso, as integrantes militam contra o machismo e o sexismo presentes no meio cultural do Hip Hop belenense. Shaira Mana Josy, integrante do movimento Hip Hop desde 1990, é uma das mulheres que lutam pelo direito não apenas de terem suas vivências, trabalhos e artes reconhecidos, mas também, acima de tudo, de serem identificadas como Mana e não como Mina. Segundo elas, o termo Mina, além de ser pejorativo, submete o esforço e o trabalho das mulheres à inferioridade e à invisibilidade.

Leila Cristina Leite Ferreira considera que a emancipação das mulheres dentro e fora do movimento Hip Hop simboliza o rompimento com preconceitos consolidados na sociedade. “A luta das mulheres no Hip Hop representa uma luta pelo reconhecimento da sua arte e do seu trabalho. É uma luta das mulheres no mundo, inclusive nas artes”, alega a autora.

Coletivos: espaços de acolhimento e reconhecimento

A intensa discriminação sofrida pelas manas belenenses no movimento Hip Hop ocasionou a mobilização de muitas delas em busca de espaços para expressar sua arte com acolhimento, mas, especialmente, com reconhecimento. Dessa forma, nascem os coletivos: a união de pessoas que expõem suas narrativas por meio dos elementos que integram o movimento. Na tese, Leila destaca quatro importantes coletivos femininos de Belém: Freedas Crew, Motyrõ - Manas no muro, Dandaras do Norte e Slam Dandaras do Norte.

Os coletivos possibilitam a propagação da arte produzida por mulheres e também fornecem uma rede de apoio e cumplicidade entre as manas, algo raro em espaços dominados pela presença e liderança masculina. E, se os manos podem, muitas vezes, segregar e oprimir, as manas podem realizar o caminho inverso, ou seja, apoiar e proteger todos aqueles que queiram participar do movimento Hip Hop, sem distinção ou preconceito. Por isso todos, todas e todes, de qualquer raça e gênero, são bem-vindos a integrar os coletivos. 

Sobre a pesquisa: Leila Cristina Leite Ferreira defendeu a sua tese no Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia da Universidade Federal do Pará (PPGSA/UFPA), com orientação do professor Antonio Mauricio Costa, e contou com financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

Beira do Rio edição 162

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