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Resenha

Publicado: Sexta, 27 de Maio de 2022, 19h30 | Última atualização em Sexta, 08 de Julho de 2022, 18h28 | Acessos: 2783

Obra discute racismo, escravidão e viajantes no Oitocentos

Por Walter Pinto Foto Reprodução

Da escrava Generalda, que se tornou parte da herança dos órfãos do falecido capitão Manoel Domingos de Siqueira e apelou por liberdade à rainha D. Maria I, ao caldeireiro Faustino Antonio dos Santos, autuado pelo Tribunal Correcional de Belém como “indivíduo promotor de desordens em diversos bairros da cidade”, há 272 páginas que discutem a relação entre cor e história na Amazônia do século XIX, período em que se consolidou o paradigma do racismo no Brasil. Escravos, artistas, festeiros e viajantes são os sujeitos desses estudos, revividos no livro Águas Negras: estudos afro-luso-amazônicos no Oitocentos, a mais recente publicação da "Cátedra João Lúcio de Azevedo", Camões, I.P./UFPA.

Organizado pelos professores Aldrin Moura de Figueiredo, Maria de Nazaré Sarges e Daniel Barroso, Águas Negras traz “questionamentos, reflexões e imagens, muitas das quais relacionadas às lutas contra a escravidão e o racismo na Amazônia e no Brasil”, como informam na apresentação. A publicação apresenta onze artigos, divididos em cinco partes.

Em Identidades, Bárbara Palha reconstrói a história de luta da mulher negra Generalda, que recorreu à rainha de Portugal por liberdade, propondo como garantia o pagamento dos valores fixados sobre ela e seus filhos nos autos do inventário do falecido proprietário. No artigo Em família e entre amigos, Luiz Carlos Laurindo, examinando documentos, como o Censo de 1872, ressalta as relações de amasiamento, concubinato ou mancebia envolvendo escravos, marcadas pela informalidade, e frequentes em Belém, no século XIX.

Na segunda parte, Cor e Liberdade, Oscar de la Torre discute o conceito de crioulização ambiental. O termo se refere ao processo pelo qual pessoas, flora, fauna, ideias e instituições com raízes no Velho Mundo nasceram, cresceram e prosperaram no Novo Mundo. Quando aposto ao ambiente, o conceito designa o processo de familiarização com os ambientes que os escravizados desenvolveram ao chegar ao Novo Mundo.

Aldrin Moura de Figueiredo e Mathias Brandão são autores do artigo sobre arte, associativismo e trabalho nas origens da Imperial Sociedade Beneficente Artística Paraense, a primeira de socorro mútuo de Belém a aceitar paraenses como sócios. Ela havia sido fundada por nove artistas, em sua maioria negros, atravessou turbulências fiscais e despertou interesse em função dos auxílios mútuos pagos aos associados em casos de doença ou morte, quando o beneficiário era a família.

Na terceira parte, Viagens e viajantes, Michelle Barros e Daniel Barroso focam na viagem de Felippe Patroni, narrada em publicação de 1820, destacando questões como racismo, escravidão e paternalismo, “três conceitos-chave para a compreensão do tecido social do país no limiar do Oitocentos”, informam os autores. Patrícia Alves-Melo acompanha as viagens dos Naturalistas na Amazônia, para analisar os papéis dos ajudantes negros Luís, Alexandrina e Trajano, esquecidos pela historiografia.

Em O palco e as letras, quarta parte da obra, Anna Carolina de Abreu analisa a literatura portuguesa como chave para entender a narrativa do Barão de Santa-Anna Nery, autor de livros e homem de grande prestígio político no Amazonas. Sílvia Cristina Souza se volta para o poeta e dramaturgo português Francisco Gomes de Amorim. Seu interesse é discutir a narrativa do drama Ódio de Raça, na qual Amorim aprofunda ideias abolicionistas. O historiador Sílvio Rodrigues visita o gosto das elites paraenses do final do século XIX para analisar a tomada da cena teatral por Crispim do Amaral, caricaturista e dramaturgo negro, relegado a um silenciamento no ambiente teatral.

Na última parte, Divertimentos e sonoridade, um artigo assinado por Maria de Nazaré Sarges, João Arnaldo Gomes e Laura Camila Silva trata de festas no período natalino, em Belém, no final do século XIX. Bacalhau à lisboeta e paca no tucupi estavam nos cardápios, enquanto cordões de pastorinhas animavam as noites de muita festa e pouco sono. Por fim, Maurício Costa caminha pelas ruas de Belém na companhia de tocadores de violão e seresteiros negros e lusos. Tais atividades os marginalizavam, principalmente os violonistas, cujo instrumento seria artisticamente e moralmente inferior aos dos demais presentes nos círculos da “verdadeira arte”.

Serviço: Águas Negras: Estudos afro-luso-amazônicos no Oitocentos. Org. Aldrin Moura de Figueiredo, Maria de Nazaré Sarges e Daniel Barroso. Editora: UFPA/Cátedra João Lúcio de Azevedo. 2021. 272 páginas. Disponível na Livraria da ed.ufpa

Beira do Rio edição 163

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