Resenha
Bumbás da Amazônia: 50 anos de transformações
Por Walter Pinto Foto Reprodução
AD: Reprodução da capa do livro Bumbás da Amazônia. A capa contém uma fotografia, em preto e branco, de uma apresentação de boi-bumbá. No centro, uma pessoa vestida de boi posa para a câmera. Atrás dela, três homens tocam instrumentos de sopro e percussão. Acima e à esquerda, vê-se a logomarca da editora. No centro, há o título Bumbás da Amazônia, o subtítulo Negritude, intelectuais e folclore (Pará, 1888-1943) e o nome do autor, Antonio Maurício Costa.
Integrados, hoje, ao calendário cultural brasileiro, os folguedos juninos em homenagem aos santos da época constituem-se como grandes atrações que movimentam o turismo e a economia de muitas cidades, de Norte a Sul do país. Um dos mais antigos destes folguedos, o cordão de boi-bumbá, desfruta de um prestigio que nada diz sobre o passado de perseguição aos seus brincantes, a maioria formada por negros escravizados ou alforriados, durante longo período da história. Em Belém, os cordões de bumbás remontam a um passado colonial e têm uma trajetória que se constitui em forma de luta contra o preconceito e pelo direito à cidadania negra. Uma parte expressiva dessa luta foi recuperada no livro Bumbás da Amazônia – Negritude, intelectuais e folclore (Pará, 1888-1943), do historiador e antropólogo Antonio Maurício Costa, professor da Faculdade de História e do Programa de Pós-Graduação em História Social da Amazônia, da UFPA.
Durante o período que antecedeu à abolição da escravatura, o deslocamento da população negra pela cidade era controlado pela polícia e pelos proprietários de escravos, para evitar que eles não tumultuassem os pontos nobres da cidade com suas danças e folguedos, considerados incivilizados e até atentatórios à moral e aos bons costumes. Mesmo após a abolição, durante muitos anos, os cordões de bois-bumbás continuaram sofrendo intensa perseguição por parte da burguesia local. Pode-se dizer que a repressão policial até aumentou porque, fora do cativeiro, a população negra circulava mais intensamente pelas ruas de Belém, para o arrepio das elites, que consumiam as teorias raciais de embranquecimento em voga na época.
Durante a Belle Époque, com a economia da borracha oportunizando uma nova organização urbana, o intendente Antônio Lemos focou sua ação de modernização europeizante da cidade na higienização dos espaços públicos e de áreas de moradia, combatendo não somente as casas precariamente construídas, como também as práticas consideradas incivilizadas dos pobres.
Apesar de enfrentar a repressão policial e as campanhas difamatórias na imprensa, os cordões não apenas de bois como também de pássaros e de outros bichos conseguiram assumir, diante do público, a condição de prática legítima de sociabilidade festiva praticada por trabalhadores residentes nos bairros mais pobres de Belém. Mas essa conquista ainda levaria anos para se efetivar. Conforme aponta o livro de Maurício Costa, o século XIX se encerrou com a proibição policial às apresentações dos cordões de bois, pássaros e de outros bichos.
Pode-se atribuir à Missão de Pesquisas Folclóricas, a serviço do Departamento de Cultura de São Paulo, dirigido pelo modernista Mário de Andrade, um relevo importante na mudança operada no pensamento intelectual paraense sobre os folguedos juninos, especialmente em relação aos grupos de bois-bumbás. Os membros da missão estiveram em Belém, em junho de 1938, coletando informações, realizando gravações, fotografias e transcrições de toadas, principalmente do Boi Pai do Campo, um dos mais destacados do período inicial da República. Mário de Andrade também manteve longa correspondência com intelectuais, escritores e jornalistas sobre os batuques juninos.
O interesse de Mário de Andrade pelo boi-bumbá, no entanto, teve início durante os nove dias que esteve em Belém, em 1927, quando visitou o curral do Boi Canário e assistiu a um ensaio. Agora identificados como expressão de nacionalidade tão cara à nascente República, os bois-bumbás se constituíram em tema de estudos sobre manifestações populares, por meio de uma interação entre escritores e músicos que assumiam a função social de produtores de ideias sobre a nacionalidade vinculada ao folclore.
Na década de 1920, “as autoridades policiais se deparavam então com um folguedo que ganhava mais e mais visibilidade nas folhas impressas e nos escritos dos homens de letras. (...) tendiam a ressaltar-se visões sobre os bumbás como folclore e como tradição, versão distante das denúncias jornalísticas de ‘ajuntamento de negros’ promotores de ‘desordens’, típicas da segunda metade do século XIX”, diz Maurício Costa. Segundo ele, “a percepção do boi-bumbá como folclore nos anos de 1920 baseava-se na consideração de sua relevância na cultura nacional por conta de suas origens no anonimato, por sua persistência como tradição e pela ideia de ser uma manifestação de pertencimento coletivo”.
Bumbás da Amazônia: Negritude, intelectuais e folclore (Pará, 1888-1943) está organizado em três capítulos. No primeiro, o autor analisa as repercussões e os sentidos implicados na divulgação jornalística de encontros públicos de cordões de boi-bumbá em Belém, entre a abolição e o ano de 1908. No segundo, ele estuda as trocas entre intelectuais do Norte e do Nordeste do Brasil, com a pauta de pesquisa folclórica promovida por Mário de Andrade. Por fim, o livro trata das alianças e dos conflitos entre brincantes, gestores públicos, jornalistas e literatos envolvidos direta ou indiretamente com grupos de boi-bumbá, em Belém, nas décadas de 1920 e 1930.
Serviço: Bumbás da Amazônia: Negritude, intelectuais e folclore (Pará, 1888-1943). Antonio Maurício Costa. Editora: Paco Editorial, 2022. 272 páginas. Vendas no site da editora.
Beira do Rio edição 163
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