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Para além da violência

Publicado: Quarta, 28 de Dezembro de 2022, 14h57 | Última atualização em Terça, 03 de Janeiro de 2023, 13h27 | Acessos: 671

Periferia expõe suas percepções sobre o jornalismo policial

imagem sem descrição.

Por Bruno Roberto Foto Acervo de Pesquisa 

Com a classe alta ocupando o centro da cidade, a parte desprivilegiada da população precisou se instalar em áreas mais afastadas e muitas vezes carentes de políticas públicas. Vítimas de um crescimento desordenado, mas ricos culturalmente, os bairros periféricos acabam resumidos, muitas vezes, a locais cheios de violência, potencializando um estigma social e a segregação dos moradores.

Diante disso, a jornalista Fábia Maria Sepêda Brabo decidiu dar voz aos moradores de um bairro periférico na dissertação A periferia e o jornalismo policial paraense: as construções e percepções de moradores do bairro do Guamá, apresentada no Programa de Pós-Graduação Comunicação, Cultura e Amazônia (PPGCOM/ILC) da Universidade Federal do Pará, sob orientação do professor Walter Teixeira Lima Junior.

 “Temos centenas de estudos que exploram o jornalismo policial, mas, muitas vezes, as pesquisas deixam de lado aqueles diretamente impactados pela notícia. A periferia, nesses jornais, é resumida à violência. De que forma isso afeta esses moradores? Foi o que tentei responder”, explica Fábia Sepêda. 

Para entender a visão dos moradores, foi utilizado o método de pesquisa chamado “grupo focal”, que é uma roda de conversa, cujo mediador faz perguntas e os participantes conversam sobre o assunto proposto. O grupo focal, piloto e definitivo, ocorreu com os moradores do bairro do Guamá, pois, além de ser o bairro mais populoso de Belém, é o que aparece mais frequentemente nas notícias policiais, segundo a dissertação.

Notícias influenciam o imaginário da população

Em um primeiro momento, foi aplicado um grupo focal piloto para testar essa metodologia, no Espaço Cultural Nossa Biblioteca, com seis participantes. A autora realizou cinco perguntas, fora as intervenções, acerca da percepção dos moradores sobre o jornalismo policial. Um dos pontos levantados trata da fonte policial como sendo a única fonte de apuração das informações, diminuindo a credibilidade da notícia. 

“Os moradores contaram alguns exemplos de situações que presenciaram e que, ao serem publicadas, tinham informações equivocadas. Isso é grave ― fere a ética e os preceitos do jornalismo, que determina que todos os lados devem ser ouvidos, e demonstra a urgência da reformulação do jornalismo policial paraense”, critica a jornalista. 

Dentre as práticas sensacionalistas que precisam ser eliminadas, destacam-se os detalhes desnecessários das mortes violentas, as manchetes apelativas com letras garrafais, as fontes vermelhas e as fotografias de pessoas assassinadas ― por sinal, a pesquisa indica a eficiência dessa estratégia apelativa, pois um participante do grupo focal respondeu que o seu interesse pela leitura dos cadernos policiais é despertado pela curiosidade. A partir da narrativa da violência produzida de forma rasa, a qual trata a periferia como habitat da violência, cria-se um imaginário negativo a respeito dos moradores desses locais, incentivando o medo da população e, consequentemente, segregando-os.

 Algumas pessoas do grupo focal definitivo sugeriram mudanças que deveriam ser realizadas no processo jornalístico das páginas policiais. Uma liderança comunitária opinou que é preciso focar em segurança pública. Um jovem morador acredita que as notícias deveriam contribuir para mostrar a prevenção, a punição e a elucidação de crimes, visto que ele entende o jornalismo policial como instrumento de política pública. Contudo, de acordo com a pesquisadora, “enquanto a violência vender, o cenário do jornalismo policial paraense, muito provavelmente, deve seguir trilhando um caminho que tende ao sensacionalismo”.

 Moradores desconfiam do que é publicado 

Depois da versão piloto, houve um grupo focal definitivo, no mesmo lugar do piloto, com 16 participantes de diferentes sexos, idades, escolaridades e rendas familiares. Desta vez, foram aplicadas seis perguntas com a finalidade de saber, na percepção dos moderadores: a importância dos cadernos de polícia; o interesse em ler as notícias policiais; a opinião acerca das fotos e textos usados; a representação nas matérias; o significado da periferia e como ela é representada. Antes das perguntas, foram entregues exemplares de dois jornais paraenses de circulação diária para os participantes lerem. 

Dentre os assuntos levantados na roda de conversa, o mais comentado foi a estigmatização e os preconceitos sofridos pelos participantes. Eles criticam a atuação do jornalismo policial como reprodutor de uma visão deturpada sobre a periferia, pois as notícias associam as práticas criminosas com os bairros socialmente desprivilegiados. Uma liderança comunitária desabafou a respeito das dificuldades cotidianas agravadas por esse tipo de jornalismo, como conseguir um emprego, haja vista que os moradores da periferia são encarados como possíveis bandidos. Outra pessoa reclamou que o bairro é retratado somente em casos de violência, em detrimento dos pontos positivos.

Os participantes também ressaltaram o tratamento diferenciado, isto é, mais amigável, dado pela imprensa quando o crime acontece em um bairro nobre ou é cometido por uma pessoa de classe média alta. Além do lado jornalístico, os moradores destacaram a diferença de tratamento dado pelas representações do Estado, como nas abordagens policiais. “Praticamente todos os homens que participaram do grupo relataram já terem sofrido abordagens policiais truculentas. O único do grupo que relatou não ter passado por uma abordagem era um morador branco. Entra aqui uma estigmatização desses moradores, que envolve muitas vezes racismo”, relata a autora. 

A partir das discussões realizadas nos grupos focais, a dissertação concluiu que os moradores de bairros periféricos não se veem representados nas notícias policiais, criticam a forma como elas são feitas e não confiam no que é publicado. “Há uma frase que digo sempre: ‘o leitor/ouvinte/telespectador não é ignorante’. Ele lê, reflete e opina. Na era da internet, mais ainda. O fato é: o jornalismo policial com características sensacionalista ainda existe porque há público o consumindo. Mas há uma crescente onda de leitores capazes de entender os impactos negativos desse noticiário”, conclui Fábia Sepêda.

Beira do Rio edição 165

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