Resenha

Por Jane Felipe Beltrão                                                                 

Em 1990, Luzia Miranda defendeu sua dissertação de mestrado no Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (NAEA), da Universidade Federal do Pará (UFPA). Um trabalho que expressa a paixão da autora pela Ciência Política e a busca pelas marcas indeléveis que as mulheres imprimem na política paraense “desde sempre”. Marcas sociais que vêm a lume em Saias, Laços e Ligas: construindo imagens e lutas (um estudo sobre as formas de participação política e partidária das mulheres paraenses – 1910/1937). Um título longo e cuidadoso para expressar o forte conteúdo que é comunicado.

 À época da defesa do trabalho, os comentários na academia eram que, pelo conteúdo e pela extensão do trabalho, devia ter sido defendido como tese de doutorado. A publicação chega a nós 30 anos após a defesa do trabalho. O lançamento da obra foi virtual e aplaudido de longe pelas (os) companheiras (os) de jornada de Luzia Miranda. Foi a fórmula encontrada para os rituais acadêmicos tradicionais à qual fomos obrigadas (os) pela pandemia da covid-19. O livro chegou em tempo bom para a reflexão, nos fez e faz lembrar a importância das mulheres paraenses na política e o lugar de destaque que elas merecem como pioneiras, tão bem apresentado e documentado por Luzia Miranda.

Como historiadora, considero o trabalho para além do texto em si, a seleção das diversas fontes históricas e o preciso anexo que traz de presente ao (à) leitor (a) a transcrição de documentos que corroboram o que diz a autora no texto, oferecendo veredas importantes para o conhecimento da política paraense que podem ser lidas nas 84 páginas que transcrevem documentos de importância ímpar para a História das Mulheres no Pará.

Nem todos (as) os(as) pesquisadores(as) revelam, com minudência e parcimônia, os documentos correspondentes aos seus “achados”, Luzia difere dos que omitem as fontes. E a atuação da autora é de extrema importância, pois, dependendo da formação e da linhagem à qual nos filiamos, a interpretação pode e deve ser ampliada, afinal as gerações que nos sucedem nos “estudos de gêneros” precisam continuar a contar a longa história das mulheres na luta renhida pelos direitos de gênero.

A autora passeia de maneira aprofundada e reflexiva pelas formas de participação política de mulheres, analisando os bastidores da política como forma de luta sem trégua, embora, no período, nenhuma tenha chegado a postos políticos de maior prestígio.

Posso dizer que o trabalho consegue, a um só tempo, estilhaçar a “mística” de que as mulheres são alheias à participação política e seriam meras figurantes do cenário político paraense nos anos iniciais do século XX e demonstrar que as paraenses produzem, como agentes sociais que são, sua emancipação política, a luta pelo votos das mulheres via as ligas, ainda femininas, mas pujantes e protagonistas de um cenário masculino, o qual elas irrompem com suas propostas de mudança, esgarçando as formas de participação imposta pelo machismo e pela misoginia reinante na política partidária.

Convido os (as) leitores(as) a se deleitar com o texto e conhecer muitas mulheres “empoderadas” por iniciativa própria. É tão importante conhecer Simone de Beauvoir, como saber, com conhecimento de causa, a respeito de Eneida de Villas Boas Costa de Moraes, jornalista paraense, de tão boa recordação. Conhecer Eneida de Moraes pela pena de Luzia Alvares é vencer, aos poucos, o colonialismo interno do qual tentamos nos livrar para alcançar a autonomia política e participativa nos espaços que desejamos estar para mudar os rumos da política.

Serviço Saias, Laços e Ligas: construindo imagens e lutas. Um estudo sobre as formas de participação política e partidária das mulheres paraenses – 1910/1937. Maria Luzia Miranda Alvares. Editora: Paka-Tatu, 2020.

Jane Felipe Beltrão – é professora titular da Universidade Federal do Pará (UFPA). Bolsista de produtividade em pesquisa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) nível 1B. E-mail: janebeltrao@gmail.com