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Entrevista: Mulheres, frutos e raízes fortes

Publicado: Sexta, 10 de Maio de 2024, 12h38 | Última atualização em Segunda, 13 de Maio de 2024, 19h15 | Acessos: 199

A formação de muitos e inclusão das minorias é o legado das professoras eméritas

#ParaTodosVerem: Fotografia mostra duas mulheres em pé diante de um salão. A da esquerda tem cabelos curtos e castanhos. Ela usa brincos e um colar com pingente em formato de folha em tons verde e laranja. Está vestida com uma calça e blusa de cor vermelha. A da direita tem cabelos castanhos com mechas brancas acima do ombro. Ela usa óculos, um par de brincos e um colar de correntes com uma pedra preta como pingente. Está vestida com uma blusa e saia na cor verde.
#ParaTodosVerem: Fotografia mostra duas mulheres em pé diante de um salão. A da esquerda tem cabelos curtos e castanhos. Ela usa brincos e um colar com pingente em formato de folha em tons verde e laranja. Está vestida com uma calça e blusa de cor vermelha. A da direita tem cabelos castanhos com mechas brancas acima do ombro. Ela usa óculos, um par de brincos e um colar de correntes com uma pedra preta como pingente. Está vestida com uma blusa e saia na cor verde.

Por Rosyane Rodrigues|Foto: Alexandre de Moraes

Bettina, Clara, Maria Anunciada, Violeta, Maria Silvia, Zélia e Edna. Caminhamos até aqui para chegarmos até Jane e Naná. Se alguém ainda duvida, eis a prova de que quando uma de nós sobe, impulsionamos muitas outras. Dos 52 títulos de professor/a emérito/a concedidos pela Universidade Federal do Pará (UFPA), 9 foram para mulheres. As professoras Maria de Nazaré Sarges e Jane Felipe Beltrão são as duas últimas a compor essa lista. Seus títulos foram aprovados pelo Conselho Superior de Ensino, Pesquisa e Extensão da UFPA (Consepe), em dezembro último.

Graduadas em História, ambas são doutoras pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e trazem Belém em suas principais publicações: enquanto Nazaré Sarges nos conta das riquezas da belle époque, Jane Beltrão revela a cidade em meio à pandemia de cólera no século XIX.

Juntas, elas concederam entrevista exclusiva para o Jornal Beira do Rio, em que falam sobre a trajetória acadêmica, os momentos marcantes como professoras e pesquisadoras e do significado desse título nesse momento da vida e de suas carreiras.

Universidade ontem e hoje

Nazaré Sarges – Cheguei em março de 1974 e, naquele momento, o país vivia em regime de exceção, o que tornava bem mais difícil ser professor de História, em razão da vigilância sobre os cursos das Humanidades. Éramos considerados potencialmente subversivos, mesmo assim, não nos intimidamos em exercitar uma leitura crítica do processo histórico. Avançamos muito na pesquisa e, dessa forma, a UFPA foi ampliando o seu número de pós-graduados; no início, os mestres e doutores tinham que sair do estado para cursar a pós-graduação e, à medida que o quadro foi ampliando, a Instituição começou a criar os seus cursos de pós-graduação, transformando-se numa potência regional que hoje se revela em números e qualidade.

Jane Beltrão – É uma Instituição que se transforma. Quando cheguei, como estudante, a UFPA possuía 13 anos de existência e vivíamos a fase mais difícil do período ditatorial. Emílio Garrastazu Médici era o ditador e usou do seu poder para prender, torturar e matar. Tempos trágicos! Inúmeros docentes da UFPA foram banidos, obrigados a deixar suas cátedras, muitos jovens que prestavam concurso de títulos e provas foram impedidos de adentrar aos departamentos por conta de perseguição política.

A vida foi passando, as dificuldades se acumularam e, ao ingressar como docente em 1980, a sociedade civil organizada se pensava forte e avançou na luta pelos direitos civis e políticos. Hoje tenho a sensação de que as dificuldades nos fizeram tomar nas mãos o cotidiano e os embates mais importantes para as “Amazônias”, no plural, tentando enfrentar as múltiplas formas de colonialismos que insistem em nos atormentar academicamente, negando-se a reconhecer a competência instalada na UFPA.

Momentos marcantes

Nazaré Sarges – Primeiro, quando ainda não havia uma política consolidada de qualificação de professores, no início da década de 1980, consegui sair de Belém para fazer o mestrado. Como resultado desse esforço acadêmico, publiquei a minha dissertação pela editora Paka-Tatu, em 2000, Belém: Riquezas produzindo a belle époque (1870-1912). Foi com esse trabalho que despertei, entre os estudantes de História, a curiosidade em pesquisar mais sobre o evento chamado belle époque vivenciado pela cidade de Belém do Pará, no final do século XIX e início do XX.

Depois, com a criação dos cursos de Interiorização, projeto iniciado no reitorado do Prof. Dr. Seixas Lourenço, em que tive a oportunidade de viajar pelo interior do estado ministrando aulas nos campi recém-criados. Não foi fácil enfrentar águas dos rios da Amazônia, estradas esburacadas e empoeiradas, mas valeu a pena! Foi um aprendizado de mão dupla. Outro momento foi o processo de democratização na indicação de reitor da Instituição, ocasião em que a comunidade acadêmica pôde expressar, por meio do voto, a sua escolha. Foi um momento rico de aprendizagem e de apreço pela democracia. Registro mais dois acontecimentos: a criação do mestrado em História, em 2004, e a inauguração do Laboratório de História para abrigar o acervo dos TCCs e atividades da pós-graduação em 2007.

Jane Beltrão – Entrar na Instituição que me formou como docente do quadro permanente, antes pesquisadora contratada para atuar no NAEA. Em 1980, tive o nome impugnado quando as/os professoras/es colaboradoras/ es passaram a efetivos, por luta dos grevistas daquele ano, ainda durante a ditadura. Eu brinco que foi melhor não ser colaboradora em 1980, pois entrei pelo portão principal da UFPA, em 1982, por meio de concurso público de títulos e provas.

Depois do ingresso, aguardei até o momento de ser titular. Foi demorado, mas gratificante, pois é algo que depende do cabedal de cada docente e é um dia ímpar. E, agora, ser professora emérita é o reconhecimento de uma trajetória de vida. Nada paga ver um auditório repleto de pessoas queridas te aplaudindo e os olhinhos das pessoas que ainda estou ajudando a formar. É uma recompensa inigualável! Identifico que é difícil, mas vale a pena ser docente, vale formar pessoas, vale estar entre pares, vale ser UFPA!

Novo perfil de alunos

Nazaré Sarges – São alunos ávidos pelas descobertas. Hoje eles têm em mãos ferramentas que agilizam e facilitam a investigação científica. Não querem somente concluir a graduação, sempre querem mais, tanto que a UFPA é um reflexo dessa geração de jovens doutores. Se houver recursos públicos e privados direcionados à pesquisa, a UFPA poderá avançar muito mais, tanto que já é reconhecida como a maior e melhor universidade da Amazônia brasileira.

Avançar para onde

Jane Beltrão – Precisamos ampliar a inclusão social, especialmente de pessoas indígenas e quilombolas entre os docentes e técnicos da Instituição, pois até o momento temos no quadro de efetivos um único indígena docente. A abertura de vagas para pessoas etnicamente diferenciadas se faz urgente. Vou lutar pela inclusão desse grupo social nos editais de concurso. Entretanto, sei que não basta a inclusão, precisamos combater o racismo diuturnamente, pois a prática corrói as relações sociais, desumanizando as pessoas! O 8 de março, o 19 de abril e o 20 de novembro são importantes, mas ainda não é tudo. Quero, nas Amazônias, pessoas acolhedoras para que a Democracia aconteça de fato.

Título de professora emérita

Nazaré Sarges – Fiquei muito emocionada e confesso que nunca imaginei que teria tão honroso reconhecimento. Agradeço aos meus pares que fizeram a indicação, aos pareceristas, aos membros do Conselho Superior de Ensino, Pesquisa e Extensão que aprovaram, e ao Presidente do Conselho, Reitor Emmanuel Zagury Tourinho, que me outorgará o título.

Jane Beltrão – Confesso que durante a minha carreira, jamais pensei no assunto, tampouco pensei que receberia tal honraria. Sempre fiz com muito gosto os dossiês para a indicação de minhas/ meus colegas à emerência. Entretanto, creio que pelo que fiz e faço, o título recompensa minha faina diária e aplaca a crueza das lutas que enfrento. Por trás do título, vejo um esforço coletivo que me auxiliou a chegar até aqui. Louvo que ele tenha chegado quando ainda tenho vigor para lutar e para me fazer presente em momentos importantes. Estou na madurez da vida e tenho como contribuir com a Instituição que me formou e me acolhe. Sou e serei eternamente grata aos que me concederam tamanha honraria.

O maior legado

Nazaré Sarges – Formei dezenas de alunos(as) que se tornaram professores(as) em todos os níveis de ensino, além de excelentes pesquisadores(as) que me dão orgulho de ver as suas pesquisas publicadas e reconhecidas. Muitos desses jovens, hoje, são meus colegas de Instituição, como Décio Guzman, Cristina Cancela, José Maia Bezerra Neto, José Alves, Fernando Arthur Neves. Outros são colegas de Faculdade, parceiros na investigação científica e na produção de artigos, como o Aldrin Moura Figueiredo, a Franciane Lacerda e a Anna Carolina Coelho.

Jane Beltrão – Em primeiro lugar, a implementação das políticas afirmativas. Muitos foram os embates, mas, hoje, elas estão institucionalizadas. Lutei pelas vagas reservadas, por novos cursos, por acesso ao mestrado e doutorado de pessoas indígenas e quilombolas. Agora é aperfeiçoar e ampliar as ações. Em segundo lugar, considero de imensa importância a possibilidade de formar intelectuais indígenas e quilombolas. E para além da formação, vê-los vencendo barreiras, destemidamente, como jóqueis em olímpiadas. Creio que cumpri a recomendação/profecia de José Martí, poeta cubano, pois na vida, metaforicamente, plantei muitas árvores, representadas pelos discentes que formei; escrevi alguns livros, inclusive, junto com as árvores que plantei; e tive muitos filhos, portanto me enraizei no mundo acadêmico. Sou uma raiz forte!

Pontos em comum e admiração mútua

Nazaré Sarges – Jane é a menina que um dia vi no Colégio Estadual Paes de Carvalho (CEPC) e depois vou encontrá-la (ela é mais nova do que eu) nos espaços acadêmicos da UFPA, tornando-se uma professora disciplinada, pesquisadora admirável no campo da Antropologia e da História, sem deixar o seu ativismo político-social. Seu livro Cólera – o flagelo da Belém do Grão-Pará é uma referência nos estudos sobre cidade, epidemia, medicina e século XIX. Cursamos doutorado na mesma instituição (Unicamp) e tivemos o mesmo orientador Prof. Dr. Sidney Chalhoub. Acho que temos em comum a disciplina, a pontualidade, a responsabilidade e o compromisso com a Instituição.

Jane Beltrão – Naná estava na UFPA, como docente, quando eu aqui aportei. Depois nossos caminhos se cruzaram e enfrentamos algumas dificuldades conjuntamente. A possibilidade de agir com justiça é uma característica que admiro em Maria de Nazaré Sarges.

Beira do Rio edição 170

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