Entrevista: “O presente e o futuro da UFPA são grandiosos”
Reitor Emmanuel Zagury Tourinho faz balanço da gestão
Cíntia Magno, especial para o Beira do Rio. Foto: Alexandre de Moraes
Os seis anos que antecederam a entrada de 2023 foram marcados por um período em que as universidades públicas de todo o país enfrentaram cenários desafiadores para qualquer gestão pública, incluindo os cortes orçamentários, os efeitos da pandemia da covid-19 e, até mesmo, a tentativa frustrada de desacreditar a ciência frente à sociedade. Mesmo tendo encarado esse passado recente, a Universidade Federal do Pará (UFPA) se prepara para encerrar mais um ciclo com avanços na excelência acadêmica e científica que tanto a caracterizam.
Hoje, a Universidade ocupa um patamar muito acima daquele em que estava em 2016, no ranking das instituições, com o maior número de programas de pós-graduação do país, além de figurar em todas as listas das melhores universidades do mundo, ampliando o seu reconhecimento nacional e internacional. Com bases fincadas no coração da Amazônia, a instituição também fortalece o seu protagonismo mediante as demandas da região que, mais do que nunca, concentra as atenções do mundo. Destacando esses e outros resultados, o reitor da UFPA, Emmanuel Zagury Tourinho, faz um balanço da gestão e reforça a capacidade de a comunidade acadêmica não se deixar paralisar pelos desafios dos últimos anos, mas, sobretudo, seguir avançando apesar deles.
Adversidades
O período de 2016 a 2022 foi certamente um dos piores e mais desafiadores da história para o desenvolvimento das universidades públicas federais. Além dos cortes orçamentários, das dificuldades financeiras e do desrespeito à autonomia, algo já vivido nos anos 1990, enfrentamos a perseguição política e policial, o discurso anticivilizatório e a tentativa de desacreditar as universidades e a ciência junto à opinião pública.
Não esqueçamos que, no governo Temer, vários dirigentes das universidades foram alvo de condução coercitiva, sempre com base em denúncias vazias, e um reitor foi levado ao suicídio pela brutalidade das violências sofridas. No governo seguinte, tivemos a nomeação de reitoras(es) não eleitas(os) pelas comunidades e foi preciso ir às ruas para que as universidades tivessem o mínimo para continuar funcionando.
Hoje, somos tratados com respeito, mas os problemas orçamentários e financeiros persistem. Ao longo de todo esse tempo, adotamos como referência para o nosso trabalho a meta de não apenas sobreviver às adversidades, mas também continuar avançando, sobretudo fortalecendo a UFPA como instituição de excelência acadêmica e científica, e enraizada na realidade social da Amazônia. Com uma dedicação intensa da equipe, criatividade e compromisso, conseguimos conduzir a UFPA a um novo patamar de conquistas e reconhecimento da sociedade.
Avanços e resultados
Nossa experiência de gestão demonstra que é possível avançar em qualquer cenário. Demonstra, também, que é possível promover, simultaneamente, a excelência acadêmica e científica, e o enraizamento maior da Universidade na realidade social da Amazônia. Temos resultados extraordinários em todos os nossos campi, e o avanço da pesquisa e da pós-graduação é um deles. Somos hoje a 4ª instituição no país com maior número de programas de pós-graduação e a maior produtora de ciência sobre a Amazônia. Nossa produção científica mais do que dobrou, e o impacto internacional dessa produção cresceu a uma taxa ainda maior – tudo isso em um momento em que a produção científica nacional desacelerou por falta de financiamento.
Mas temos também outros resultados que são muito expressivos e seria difícil elencar todos neste espaço. Destaco o maior reconhecimento nacional e internacional da UFPA, atestado por todos os sistemas de avaliação e rankings. Somos, reconhecidamente, uma das melhores universidades brasileiras e estamos em todas as listas das melhores universidades do mundo. Melhoramos o ensino de graduação com programas estruturantes (como o LabInfra) e com políticas institucionais (como a flexibilização curricular), o que se refletiu nos maiores avanços nas avaliações externas.
Desenvolvemos uma política de extensão que é modelo para outras universidades brasileiras, que estabeleceu um novo padrão de relação com a sociedade, como os Colóquios de Governança, o Programa de Extensão Inclusiva Avançada (Proexia) e a Caravana Cultural.
Somos uma referência nacional em políticas de inclusão e permanência. Criamos um sistema e uma política muito mais ampla e eficiente de assistência e acessibilidade estudantil, ancoradas na criação e no trabalho da Superintendência de Assistência Estudantil (Saest) e da Assessoria de Diversidade e Inclusão Social (Adis), com o apoio do Fórum de Assistência e Acessibilidade Estudantil (Faes), por sua vez instituído com a aprovação da Política Institucional de Assistência e Acessibilidade Estudantil (Pinae).
Expandimos as oportunidades de qualificação e valorização das(os) servidoras(es) em todos os campi, alcançando resultados inéditos. Também, graças a esse investimento, tivemos como alicerce para todos os avanços institucionais a indiscutível eficiência na gestão do planejamento institucional, de pessoal, administrativa e financeira. Por fim, entregamos cerca de cinquenta obras, incluindo prédios para institutos e campi, prédios para faculdades, laboratórios, casas de estudantes, auditórios e obras de urbanização.
Reconhecimento
A realização da 76ª Reunião Anual (RA) da SBPC em nosso Campus do Guamá foi um momento muito especial na história da UFPA. Além do enorme reconhecimento da capacidade e da importância da instituição antes, durante e após a reunião, tivemos uma oportunidade única de apresentar ao país as realizações científicas, artísticas e culturais das comunidades da Amazônia. Nossas(os) pesquisadoras(es) foram protagonistas em muitos debates importantes, apresentando um conhecimento e uma familiaridade com a realidade da região que nos são únicos. Além da comunidade científica nacional, com participação recorde, a UFPA recebeu milhares de crianças (inclusive ribeirinhas), jovens e adultos interessados em saber mais sobre ciência e tecnologia. Foi uma verdadeira festa da ciência, com uma presença entusiasmada de pessoas da comunidade externa, demonstrando que a população valoriza e quer ter mais acesso a informações científicas. Em uma região com tantos desafios, como a Amazônia, a formação científica é ainda mais importante e a experiência da RA da SBPC nos estimula a desenvolver novos projetos que levem as ciências a todas as pessoas.
Comprometimento regional
A Amazônia passa, hoje, por transformações muito intensas, que requerem um olhar atento dos que se preocupam com a vida das populações e com a conservação do bioma. Aqui estão operando, com grande desenvoltura e recursos financeiros elevados, grupos nacionais e internacionais, com dois interesses diferentes e, a princípio, divergentes, pelo menos retoricamente. Uns interessados no aproveitamento econômico dos recursos naturais, o que vem transformando, de modo dramático, a paisagem regional e as condições de vida das populações; outros preocupados com o impacto do desmatamento no aquecimento global.
Como maior instituição científica da Amazônia, a UFPA precisa intensificar a produção de conhecimento sobre essa realidade e desenvolver estratégias para que o conhecimento produzido seja apropriado por aqueles que estão efetivamente comprometidos com um desenvolvimento sustentável e inclusivo. É com essa referência que a UFPA precisa se movimentar e construir parcerias regionais, nacionais e internacionais que propiciem a internalização de recursos, a expansão da sua capacidade de trabalho e o fortalecimento de uma ação política em fóruns nacionais e internacionais em defesa da vida das populações e da conservação do bioma.
Excelência científica
A capacidade científica da UFPA é extraordinária. Temos pesquisadoras(es) de altíssimo nível em todos os campi, trabalhando na fronteira do conhecimento e com uma conexão especial com as necessidades e os desafios regionais. Temos diversas experiências exitosas, com impactos diretos na vida da população e na resolução de seus problemas mais graves. Essas experiências, com frequência, aliam pesquisa e extensão, estão baseadas em interações de qualidade com as comunidades locais e envolvem algum nível de interdisciplinaridade para dar conta da complexidade dos problemas. O Centro Integrado da Sociobiodiversidade da Amazônia (Cisam), criado em 2023, ilustra bem o esforço institucional possível e necessário neste momento. O Cisam está estruturado em oito redes temáticas de pesquisa, para as quais têm sido convidadas(os) pesquisadoras(es) de todas as 13 universidades federais sediadas na Amazônia. Essa colaboração é essencial tanto para o desenvolvimento de projetos mais arrojados, quanto para a expectativa de nuclear novos grupos de pesquisa em vários lugares da Amazônia, aproveitando, assim, todo o potencial da UFPA para fortalecer também as outras instituições da região. Há, no entanto, uma luta por recursos para o financiamento da pesquisa na região que já é histórica, dada a assimetria regional na distribuição das verbas nacionais para a ciência. Com os acontecimentos recentes, penso que começa a haver uma mudança nesse cenário e maior interesse em reconhecer e apoiar a pesquisa feita por cientistas das instituições amazônicas.
Desafios futuros
Do ponto de vista da gestão, o maior desafio das universidades públicas brasileiras continua sendo o modelo e a estabilidade do financiamento. Somos instituições subfinanciadas, entregamos à sociedade proporcionalmente mais do que qualquer outro sistema. Mas não entregamos tudo que está ao nosso alcance, porque nos faltam recursos para aproveitar toda a nossa capacidade, também porque não contamos com uma autonomia real para adotar práticas mais eficientes de gestão. Ainda prevalece no país uma cultura de pensar a universidade como mais um ente da burocracia estatal, a qual precisa ser tutelada por Ministérios.
Do ponto de vista acadêmico, o grande desafio é atualizar o modelo de formação na graduação. Não podemos achar que, no século XXI, com todas as transformações que estamos vivendo, vamos formar pessoas do jeito que formávamos no século passado. Ninguém mais depende da universidade para ter acesso à informação. Mas a universidade está em condição privilegiada para ensinar como discriminar a qualidade das informações, como operar com diferentes conjuntos de informações e como articular, integrar e gerar conhecimento de ponta relevante para as sociedades.
Nosso modelo de formação precisa refletir isso e, como consequência, rever as amarras disciplinares que, por longo tempo, foram a sua base. Gosto de pensar que as universidades são hubs de conhecimentos e saberes, que oferecem oportunidades incríveis para os discentes transitarem por diferentes sistemas, interagindo com interlocutores que passaram por percursos formativos e intelectuais diversos. Podemos pensar em várias “portas de saída”, talvez até disciplinares nos casos em que legislações impõem isso, mas não há razão para a porta de entrada e os caminhos até a porta de saída serem tão estreitos.
Gratidão
Gostaria de agradecer muito a oportunidade que tive de liderar a UFPA por oito anos, o apoio recebido e a confiança que a comunidade depositou em nosso trabalho. Foi uma grande honra exercer a função de reitor da Universidade. Sinto alegria e orgulho de ver tudo que conseguimos construir coletivamente. O presente e o futuro da UFPA são grandiosos e fazer parte dessa história tem sido motivo de enorme felicidade.
Beira do Rio edição 172
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