Um salto histórico qualitativo
Há 45 anos, experimentos alemães impulsionaram o curso de Física
Por Walter Pinto Foto Alexandre de Moraes
Um artigo publicado no volume 40 da Revista Brasileira de Ensino de Física, assinado pelos professores Luís Carlos Bassalo Crispino e Victor Façanha Serra, reconstruiu um dos momentos mais importantes da história do ensino da Física na Região Norte. Trata-se do processo de instalação de experimentos, provenientes da Alemanha, no Laboratório de Física da UFPA, em 1973, que o equiparou, na época, aos laboratórios das mais importantes universidades brasileiras, conforme observação do então reitor Clóvis Malcher.
Como ressalta Victor Serra, o Norte do Brasil era uma região ainda muito remota no contexto nacional, até então ligada longitudinalmente ao Sul por uma única rodovia, a Belém-Brasília. No ano anterior, para reduzir esse quase isolamento, o governo ditatorial do general Garrastazu Médici havia inaugurado uma outra rodovia, a Transamazônica, embora nem todos os trechos estivessem concluídos, ligando a Amazônia transversalmente ao Nordeste brasileiro.
“A própria Universidade Federal do Pará ainda era uma instituição bastante recente, contando não mais que 16 anos de vida. O primeiro vestibular para Licenciatura em Física fora realizado há apenas oito anos. Tudo era muito incipiente”, recorda Serra. É neste contexto que, por meio de um convênio entre Brasil e Alemanha Ocidental, intermediado pelo então Conselho Nacional de Pesquisas e pelo KernForschungs Anlage (KFA), a UFPA recebeu o conjunto de experimentos que iria impulsionar o ensino de graduação em Física, além de oportunizar a capacitação, por meio de treinamento, dos docentes da área.
No ano anterior, a Alemanha enviou ao Brasil Heinz S. Räde, para uma série de visitas às Universidades Federais do Pará, do Ceará, da Bahia e de Santa Catarina, que também receberiam equipamentos alemães. As observações de Heinz sobre as condições do pioneiro laboratório de Física da UFPA constam do artigo assinado por Crispino e Serra. O acervo pioneiro era composto por equipamentos oriundos da antiga Escola de Engenharia.
Ainda nesta fase imediatamente anterior à chegada dos equipamentos, os professores Orlando José de Carvalho de Moura e Leopoldino dos Santos Ferreira, por indicação de José Maria Filardo Bassalo, foram enviados à Alemanha, no primeiro semestre de 1973, para realizar um estágio na KFA, quando receberam instruções sobre os equipamentos. Lá, eles participaram de atividades experimentais envolvendo Eletrônica, Física Moderna, técnicas de vácuo, holografia e baixas temperaturas. Eles estiveram no Centro de Pesquisa de Julich, localizado em Colônia, cidade da Renânia do Norte-Vestefália.
Logo após o retorno de Moura e Leopoldino, os equipamentos alemães chegaram a Belém, transportados por via área. Em seguida, chegaram cinco técnicos de Julich para a montagem dos experimentos e para a realização de treinamento aos demais professores do Laboratório de Física da UFPA, conforme pesquisa realizada por Carlos Crispino em correspondência e na imprensa paraense. Quando em pleno funcionamento, os experimentos ficaram sob a supervisão dos dois professores da UFPA por um período de seis meses, cabendo a Moura a chefia do Laboratório de Radiações; e a Leopoldino, a do de Física Moderna.
Especialistas elaboram Roteiro de Experiências
A chegada dos experimentos alemães na UFPA também trouxe a Belém os físicos Carlos Lima, Ademar Silveira Aragão e Francisco Rogério Fontenele Aragão, docentes da Universidade de Brasília, instituição já dotada de equipamentos semelhantes. Eles se uniram ao mineralogista alemão Thomas Scheller, então professor visitante do antigo Núcleo de Ciências Geofísicas e Geológicas da UFPA, para a produção de um Roteiro de Experiências, que foi utilizado durante o curso de Física Experimental, nome que designou o treinamento, dividido em Física Geral I, Física Geral II, Mecânica, Eletricidade e Magnetismo e Vibrações e Ondas.
Segundo relato de Crispino e Serra, “uma das principais dificuldades relacionadas à utilização dos equipamentos alemães consistia no fato de que os manuais originais estavam em língua inglesa. Coube a Scheller e à professora Carmelina Kobayashi iniciarem a tradução e a adaptação para o português”. O trabalho foi, no entanto, suspenso com o retorno do professor alemão ao seu país. Enquanto esteve em Belém, Scheller atuou em aulas práticas, realizou a manutenção dos equipamentos e orientou monitores.
Passados 45 anos de sua chegada, alguns dos equipamentos ainda estão em operação, como é o caso do experimento para verificação da relação carga-massa do elétron e os tubos com gases acoplados à Bobina de Ruhmkorff, utilizados na disciplina “Laboratório Especial”, no curso de Graduação em Física da UFPA.
Crispino e Serra informam no artigo que, “com o passar dos anos, devido principalmente à dificuldade de obtenção de peças de reposição, grande parte dos equipamentos trazidos da Alemanha na década de 1970 deixou de ser utilizada nas aulas práticas de Física, da UFPA”.
Recentemente, por ocasião das homenagens em torno dos 60 anos da UFPA, aqueles equipamentos fizeram parte de uma exposição. Segundo os autores do artigo, “a intenção futura é que, dada a sua importância histórica, os experimentos sejam colocados à mostra para o público em um mobiliário apropriado, acondicionado em uma sala destinada a esse fim, no Laboratório de Física-Ensino, no Campus do Guamá, ou em outro local, seguindo o exemplo de outras universidades do mundo afora, como no Dipartimento di Fisica, do Istituto Fisico Guglielmo Marconi, da Universidade La Sapienza, em Roma, Itália, ou da coleção de instrumentos científicos e didáticos de Física do Museu da Ciência da Universidade de Coimbra, em Portugal”.
Artigo resgata momento importante para alunos e professores da UFPA
Quando os experimentos alemães chegaram, o professor Victor Serra era um jovem estudante, representante discente no Colegiado do Curso de Física. Ele acompanhou de perto o processo de qualificação docente para operar os equipamentos, tendo participado do curso ministrado pelo professor Carlos Lima. Para ele, aquele foi um momento histórico, além de inusitado.
“Você está numa universidade setentrional, no extremo norte do País, em um curso instalado recentemente. Então, de repente, chega um laboratório com equipamentos de ponta, que não deviam a nenhum outro de universidades de maior expressão nacional. Isso é um fato inusitado, muito importante e digno de se destacar na história”, lembra o professor.
Para ele, que marcaria as próximas décadas por uma extrema dedicação ao laboratório, do qual é o chefe, os experimentos alemães possibilitaram à área de Física dar um salto bastante expressivo em termos de excelência, porque o que era ensinado aos estudantes da Graduação em Física da UFPA era o mesmo que se ensinava nas universidades de ponta do País, como nas Universidades de Brasília, São Carlos e Santa Catarina, por exemplo.
“O laboratório foi dotado com quase tudo que existia de importante em Eletrônica e Mecânica no âmbito de um curso superior. Sem esses equipamentos seria mais difícil aos alunos entenderem os cálculos de movimento de inércia, relacionados à Física Clássica, ou coisas da Física Moderna, como o cálculo da constante de Planck e a experiência de Franck-Hertz, por exemplo. Lembro que cheguei a ver aqui, no laboratório, como um holograma se forma”, relata o professor.
O artigo Gênese do Laboratório de Física da Universidade Federal do Pará foi não só um momento de reconstrução do processo de chegada, instalação e uso dos experimentos, mas também um resgate histórico da memória dos professores e das pessoas que participaram daquele evento tão importante para o ensino de Física, no Pará.
Ed.145 - Outubro e Novembro de 2018
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