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O “uivo” das balseiras

Publicado: Segunda, 09 de Abril de 2018, 14h42 | Última atualização em Segunda, 09 de Abril de 2018, 17h44 | Acessos: 22564

Artigo revela a exploração sexual na região do Marajó

imagem sem descrição.

Por Armando Ribeiro Ilustração Walter Pinto

“Quando as embarcações passam devagar, as meninas, geralmente em grupo, pegam suas canoas e remam atrás. Ao se aproximarem da balsa, elas ‘uivam’ para alertar os homens da embarcação e lançam uma corda para que eles possam ajudá-las a subir”. A declaração de Diego Alex de Matos Martins, mestrando em Segurança Pública (PPGSP/IFCH/UFPA) e membro do time Enactus UFPA, revela a prostituição de crianças que vivem às margens dos rios da região do Marajó, chamadas pelos próprios ribeirinhos de “balseiras”.

Para entender como ocorre esse processo, o pesquisador, em parceria com Monique Loma Alves da Silva, especialista em Gestão Pública e Sociedade pela Universidade Federal do Tocantins, escreveu o artigo Apuração dos casos de violência sexual: garantia ou violação de direitos de crianças e adolescentes?, que recebeu o Prêmio Patrícia Acioli de Direitos Humanos. “A premiação foi no Rio de Janeiro e nosso principal objetivo era levantar essa discussão nacionalmente. Queríamos que as pessoas enxergassem a necessidade de políticas públicas especiais para a região”, conta Monique Loma.

Os autores realizaram um estudo sobre os dados socioeconômicos da região, disponibilizados no Pacto pelo Pará de Redução da Pobreza e no Instituto de Desenvolvimento Econômico e Social do Pará (Idesp). Monique Loma diz que o contato com as crianças e seus familiares veio de seu trabalho como assistente social na região, enquanto Diego Martins é  servidor da Vara de Crimes contra Crianças e Adolescentes do Tribunal de Justiça do Pará e avalia mais a ação estatal nesses casos.

Troca sexual por pacotes de leite ou óleo diesel

No artigo, os autores relacionam a vulnerabilidade econômica e social da população do arquipélago com a exploração sexual. Segundo a assistente social, na época do levantamento dos dados, cerca de 60% da região ainda pertencia à área rural, com o comércio pouco desenvolvido. “Na maioria dos casos, as ‘balseiras’ vão até as embarcações para vender produtos agrícolas de suas famílias. Lá, elas recebem todo tipo de proposta. Algumas relataram fazer a troca sexual por pacotes de biscoitos, de leite ou de óleo diesel. Como muitas áreas não têm energia elétrica, as famílias precisam do combustível para o motor que faz funcionar os eletrodomésticos”, explica Monique Loma.

A pesquisadora ainda enfatiza que 37,3% da comunidade da ilha vive na extrema pobreza, com R$70 por mês. Para ela, esse fato vai determinar a relação entre a família e a realidade das “balseiras”. “Essa exploração já foi enraizada na região, é cultural. Quando conversei com as mães, percebi que, em alguns casos, vai passando de geração para geração. Ouvi relatos de meninas que diziam ‘minha avó era ‘balseira’, minha mãe também foi e eu sou. É assim que ajudo minha família’”, relata Monique.

As famílias, explica Monique Loma, não veem aquilo como exploração sexual, “é uma oportunidade para eles, além de gerar renda, os pais olham para a prática como uma chance de as meninas se casarem com algum ‘marinheiro’ e ter em uma chance melhor na cidade”. A pesquisadora afirma que isso vai influenciar diretamente as poucas denúncias que são registradas. “Quando contamos à família o que está acontecendo, o que essa atitude gera, percebemos que eles não tinham noção sobre a legislação ou sobre os Direitos da Criança e do Adolescente. Jamais poderiam fazer uma ocorrência, pelo simples fato de aquilo ser o cotidiano deles, não um crime”, revela a assistente social.

Monique se deu conta do quanto a situação é delicada ao perceber que as meninas já naturalizaram esse comportamento. “Foi uma surpresa ver que, para elas, aquilo era brincadeira. Algumas afirmaram estar procurando o príncipe encantado. A naturalidade com que elas falavam de tudo foi um choque. Como eu poderia falar de violência sexual, de exploração, se elas nunca tinham ouvido esses termos?”, questiona.

Para a pesquisadora, o caso das “balseiras” se difere, pois, aqui, o crime é realizado por pessoas desconhecidas da vítima, enquanto, na maioria dos casos, o abusador é alguém próximo da família, fala sobre carinho e de tudo ser uma brincadeira secreta. Segundo ela, essa atitude é chamada de “síndrome do segredo”, que precisa ser quebrada para que o crime seja apurado. “Esses abusos e explorações têm uma repercussão social. Existe uma relação de poder e credibilidade entre o depoimento da vítima e do criminoso”, compara.

Atendimento pode promover a revitimização

Para Diego Martins, o olhar, nesses casos, quase sempre é de punição, limitando-se a punir o acusado com uma pena alta e esquecendo que a vítima é um sujeito ativo e de direitos. “Quando os casos chegam às delegacias, o abuso já ocorreu e as ações, a partir disso, serão de colocar as crianças para depor para acusar e reviver tudo aquilo. O Estado não costuma atuar na origem desses casos, como a pobreza, a falta de escolaridade, a necessidade de sobrevivência”, avalia.

O pesquisador ressalta que as “balseiras” ainda são vítimas de danos secundários realizados pelo Estado. A vitimização primária se refere àquela causada pelo abusador, enquanto a secundária, explica Diego Martins, é o agravamento dos resultados da violência sexual, também conhecido pelo processo de revitimização, motivado pela exposição e agressão emocional da criança ou do adolescente.

O estudo procura entender como ocorre a atuação policial nesses casos e em que medida ela gera a revitimização. “A abordagem policial é muito difícil nessas situações, não é algo comum para eles. Muitas vezes, eles não tratam a vítima adequadamente, fazem perguntas constrangedoras sobre o crime, não se atentam às condições econômicas, de educação e cultura que geraram aquela violência. E isso acaba por violar, ainda mais, a integridade psicológica dessas crianças, que, após esse contato e tendo noção do que passaram, acabam desenvolvendo dificuldades de relacionamentos familiares e sociais”, informa.

Monique Loma destaca a atuação do Estado em relação às vítimas. Após as áreas vulneráveis serem identificadas, a assistência social atua em duas vertentes: a primeira é a de prevenção, em que são realizadas ações e palestras sobre os tipos de violência infantil e a importância da escolaridade. Já a segunda seria após o crime ter ocorrido. Nela se dá o atendimento psicossocial da criança e dos familiares, com a intenção de incluir essas pessoas em programas e serviços que as tirem desse ciclo de risco social.

Ed.142 - Abril e Maio de 2018

Comentários  

0 #4 Angelo P. Menezes 30-05-2018 03:15
Anajás, Pará, teve 71 casos de crimes sexuais com crinas e adolescentes somente no ano de 2015, trabalho no conselho tutelar deste município, mas não vi estatísticas no material, ja que fala do arquipélago do Marajó, devemos dar voz, encurtar distâncias e mostrar mais dados acerca do assunto, que é de suma importância. Por fim, também sou Pedagogo, formado pela UFPA BREVES.

ATT.

ANGELO MENEZES
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+4 #3 RAQUELINE CRISTINA P 28-05-2018 17:32
É muito triste a realidade das comunidades ribeirinhas, que na maioria das vezes estão esquecidas pelo poder público. A corrupção já é tão grande na capital, imagina nas comunidades ribeirinhas do nosso estado?
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-1 #2 Domingas Lucas 27-05-2018 14:25
.... Tudo isto acontece devido a ma distribuição de renda e pior,está violência sempre aconteceu.
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0 #1 Natalina 19-04-2018 14:04
Muito triste, essas pessoas da ilha estão praticamente abandonadas, e sem educação, e uma pobreza extrema isso é mais grave ainda.
As políticas públicas não chegam até essas comunidades.
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