A Guerra na Síria e a crise que afeta a todos
Desde a Segunda Guerra não se via tamanha onda migratória
Por Renan Monteiro Foto Acervo da Pesquisa
De acordo com o relatório Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (UNHCR), até 2016, mais de 4.800.000 pessoas foram deslocadas em virtude da Guerra Civil na Síria, iniciada em 2011. Da mesma forma, o Centro Sírio para Pesquisa Política (CSP) estimou em mais de 470 mil o número de mortos até 2016. São muitos os fatores que contribuem para essa crise humanitária. Alguns deles são abordados na Dissertação Imigração no mundo contemporâneo e estados falidos: guerra e crise humanitária na Síria, de autoria do professor Olavo Franco Caiuby Bernardes.
Defendida no Programa de Pós-Graduação em Ciências Políticas (PPGCP/IFCH), com orientação do professor Alberto Luiz Teixeira da Silva, além de discutir os fatores externos e internos do processo migratório no mundo contemporâneo com enfoque na Síria, o trabalho explora o contexto histórico desse processo.
“O trabalho busca afastar estereótipos e preconceitos sobre a emigração em massa de cidadãos de países do Oriente Médio e da África, principalmente, falando de globalização, em que cada vez mais os países diminuem barreiras para a entrada e a saída de capital, mas rejeitam as pessoas. Hoje, existem cerca de 65 milhões de pessoas em situação de deslocamento forçado, seja como exilado político, seja como refugiados econômicos e de guerra”, explica o professor.
Outra justificativa para abordar esse assunto são as fake news. De acordo com Olavo Bernardes, nós vivemos em uma sociedade bombardeada por informações de teor duvidoso e, por estarmos geograficamente distante da Síria, estamos mais suscetíveis a receber informações distorcidas. “É uma contribuição concreta, estando no Pará e no Brasil, para ajudar as pessoas a entenderem a situação de lá”, afirma.
Há mais deslocados na África e no Oriente Médio do que na Europa
A atual situação da República Árabe da Síria é complexa. Diversas potências bélicas, a exemplo dos cinco membros do Conselho de Segurança da ONU, estão, direta ou indiretamente, envolvidas. De um lado, Estados Unidos, França e Reino Unido apoiam os rebeldes; e do outro lado, Rússia e China apoiam o governo Assad.
Em relação aos resultados de sua pesquisa, Olavo Bernardes destaca que, “primeiramente, se percebeu a existência de uma guerra de informações. Cada grupo busca por seus interesses, e o mais preocupante é a inexistência de um grupo que queira realmente uma Síria unida e democrática. Nesse sentido, parece que vivemos o retorno da histórica discordância entre Rússia e EUA, em um nível de tensão próximo ou superior ao observado durante a Guerra Fria”.
Os Estados falidos mencionados na dissertação são Estados-Nações que apresentam ausência do Poder Público em diferentes regiões, possibilitando a entrada e a saída indiscriminada de drogas e armas, o tráfico de pessoas e de animais. Historicamente, o discurso desses Estados falidos serviu para legitimar a intervenção internacional.
Para Olavo Bernardes, a interferência exterior só poderia ocorrer, no caso da Síria, a intervenção militar humanitária, se fosse referendada por toda a comunidade internacional, não apenas pelos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU.
“Essa ideia de potências externas tentarem trazer a democracia para um país não funciona. Se, em alguns momentos, a intervenção se mostrou necessária; em outros, demonstrou superioridade moral, o que, em diversas situações, prejudicou e fragilizou ainda mais o balanço político da região onde foi feita a intervenção”, ressalta.
Em uma esfera mais global, essa crise migratória do Oriente Médio e da África, para os países europeus, representa uma minoria da população total de refugiados. A grande massa de pessoas fica nos países mais próximos. No caso da Síria, a maioria dos deslocados ficam no próprio Oriente Médio, em campos de refugiados do Líbano e da Jordânia.
Muitos vão para a Europa, porque os países próximos não podem mais conceder abrigo. A dissertação traz dados do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados de 2016, demonstrando que, dos 65.3 milhões de deslocados no mundo, 39% se encontram no Oriente Médio e no Norte da África; 29% na África; 14% na Ásia e no Pacífico; 12% nas Américas e apenas 6% na Europa.
“Observa-se, portanto, mais que uma tragédia regional, trata-se de uma tragédia internacional gravíssima, com consequências sérias”, avalia o pesquisador.
“O Brasil precisa receber a sua cota”
Alguns fatores externos que contribuíram para a atual situação do Oriente Médio foram a seca prolongada por que a região passou e a guerra no Iraque, que trouxe uma quantidade assustadora de refugiados para a Síria, o Líbano e a Jordânia, desestabilizando essas regiões. Entre os fatores internos, estão o desemprego, os problemas estruturais e a instabilidade política.
Essa onda de migração é conhecida como a maior crise humanitária, depois da Segunda Guerra Mundial. Para Olavo Bernardes, uma ação benéfica seria todos os países receberem uma cota de deslocados e trabalharem em conjunto para a solução dessa crise.
No Brasil, o Comitê Nacional para os Refugiados (Conare), do Ministério da Justiça e Segurança Pública, anunciou, em relatório referente a 2016, que, desde o início do conflito na Síria, mais de três mil pessoas dessa região solicitaram refúgio no Brasil. Olavo Bernardes acredita que o país precisa receber sua cota, organizando-se para ter uma política imigratória consistente, sendo necessário um trabalho conjunto entre União, estados e municípios.
A nova Lei de Migração (Lei nº 13.445) entrou em vigor em 2017, garantindo ao imigrante a inviolabilidade do direito à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade e instituiu visto temporário para acolhida humanitária. Essa lei surge como um complemento à Lei nº 9.474/97, a qual, no art. 1º, III, concede refúgio ao indivíduo cujo país esteja em grave e generalizada violação de direitos humanos.
Entendendo o conflito na Síria
Em março de 2011, em Daraa (Sul da Síria), adolescentes grafaram frases com críticas ao governo e foram presos. Em protesto, centenas de pessoas saíram às ruas da cidade para reivindicar a liberdade tomada pelo ditador Bashar Al-Assad. Esse levante fez parte do movimento chamado Primavera Árabe.
Após esse estopim, alguns grupos foram formados a fim de combater as forças governamentais. A batalha chegou à capital, Damasco, e a Aleppo, em 2012. Com o passar do tempo, as características da Guerra Civil na Síria mudaram muito.
O Estado Islâmico utilizou esse contexto e conquistou territórios abrangentes, tanto na Síria como no Iraque, proclamando o seu califado em 2014. Para isso, eles lutaram contra todos: rebeldes, governistas, grupos terroristas.
A Rússia e os Estados Unidos querem o fim do Estado Islâmico. Porém os Estados Unidos querem a queda do governo de Bashar Al-Assad e, para isso, apoia os rebeldes. Por outro lado, a Rússia acredita na força de Assad e apoia o seu regime. A Síria, então, é o território do fogo cruzado nesse clima de Guerra Fria.
Ed.143 - Junho e Julho de 2018
Referências:
http://ppgcp.propesp.ufpa.br/ARQUIVOS/dissertacoes/OLAVO-FRANCO-CAIUBY-BERNARDES.pdf
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Imigração no mundo contemporâneo e estados falidos: guerra e crise humanitária na Síria
Autor: Olavo Franco Caiuby Bernardes
Orientador: Alberto Luiz Teixeira da Silva
Programa de Pós-Graduação em Ciências Políticas (PPGCP/IFCH)
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