Ir direto para menu de acessibilidade.

GTranslate

Portuguese English Spanish

Opções de acessibilidade

Página inicial > Exclusivo > Turismo e COP 30
Início do conteúdo da página

Turismo e COP 30

Publicado: Sexta, 09 de Fevereiro de 2024, 18h56 | Última atualização em Quarta, 21 de Fevereiro de 2024, 20h02 | Acessos: 331

Belém e a inserção no contexto internacional da cadeia produtiva do turismo sustentável

Por Silvia Helena Ribeiro Cruz Foto Acervo Pessoal

Pensar o turismo em uma cidade cujo território se apresenta como continental e insular, como Belém, é uma tarefa complexa, até mesmo porque o turismo sempre é visto como uma atividade elitizada, que, portanto, incluiria poucos. Mas é urgente a virada de página frente à realização de um evento como a Conferência das Partes (COP – Conference of the Parties), em 2025. Uma cidade no coração da Amazônia!

Tal evento tem significado de grande magnitude, considerando a centralidade temática no clima e na questão ambiental, dois assuntos que dialogam diretamente com a região amazônica. Belém dará a grande guinada, urgente e necessária para que a cidade, efetivamente, entre no contexto internacional da cadeia produtiva do turismo sustentável. Será o grande momento do amazônida falar diretamente com os interlocutores que chegam e vão, sem, em muitos momentos, apresentar o retorno para o diálogo direto.

Na perspectiva do turismo, os megaeventos são agentes de transformações urbanas e mudanças de paradigmas em sua operação, seja por mudanças nos próprios espaços preparados para receber o evento, seja, até mesmo, pelo modus operandi do fazer turístico.

O turismo de eventos tem a capacidade de impulsionar mudanças, não apenas transformando os territórios quanto à produção do espaço ou criando “cidades espetáculos”, ou na gentrificação de áreas degradadas e tomadas pela especulação, mas também promovendo a requalificação dos espaços no que tange às suas formas, estruturas e funções, considerando a totalidade do território, com vistas ao desenvolvimento socioambiental.

Nesse sentido, observa-se que a cidade de Belém, desde o ano de 2021, avança nos processos de mudanças estruturais, não somente para atender às possibilidades dos megaeventos, como também para garantir o legado para as populações locais. Os exemplos concretos dessas mudanças estruturais estão na realização de grandes obras, como a macrodrenagem da Estrada Nova; a implantação de transporte fluvial entre o continente e a região insular; a macrodrenagem do Mata Fome; a criação do Parque São Joaquim, requalificando o igarapé; a inauguração do Boulevard da Gastronomia; a revitalização dos Mercados de São Brás e Ver-o-Peso; a implantação de transporte coletivo elétrico, modal ônibus e a implantação do sistema de energia renovável nas escolas municipais; os Programas de Geração de Emprego e Renda , como Donas de Si/FUNDO VER O SOL  (PMB, 2023);,  além dos projetos em parceria com o governo do estado do Pará, como o Parque da Cidade, o Porto Futuro e o tão esperado terminal Hidroviário de Icoaraci, para atender às comunidades insulares, continentais e visitantes. Essas obras, quando finalizadas, estarão em todos os territórios da cidade de Belém, ou seja, centro-periferia.

Especificamente, no momento atual de Belém, em que o mundo olha para o Norte, será a grande oportunidade para que o turismo se posicione não apenas como um vetor de desenvolvimento econômico, mas também como uma prioridade política que almeja o desenvolvimento sociocultural, por meio da valorização de seus recursos, sejam materiais ou imateriais, e da organização de projetos e programas específicos para a operacionalização do setor com princípios sustentáveis.

Desse modo, pensar o turismo, em Belém, na conjuntura atual, e exponenciando a cidade como portão de entrada da Amazônia, espaço de troca de conhecimentos, diálogos sobre questões climáticas, desmatamento, direitos e justiça social, é o que sempre se esperou de uma capital que foi destaque, em séculos passados, como uma cidade de conexões internacionais. O turismo, como atividade de desenvolvimento socioeconômico, tem a capacidade de mobilizar a sua cadeia produtiva, que interage com outros setores da economia.

Para além dos ganhos econômicos momentâneos com os megaeventos, na Amazônia faz-se necessário e urge o debate para a definição de qual turismo se quer para a região, quais os legados que um evento como a COP30 pode deixar para a cidade nos quesitos de melhorias estruturais, econômicos, sociais e culturais, e principalmente para as mudanças de paradigmas no pensar o desenvolvimento para a cidade de Belém.

No caso especificamente da COP30, há que se pensar nos gargalos ainda existentes em Belém, mas não são irremediáveis, e aqui se ressalta a questão das possibilidades atuais das redes de hospitalidade. A cidade de Belém, segundo o Sindicato de Hotéis e Similares (2023), possui 13 mil leitos disponíveis na Região Metropolitana de Belém, podendo chegar a 25 mil, somando as demais modalidades de leitos, em pousadas, pensões, hostel, condomínios, motéis, apart hotéis. Ressalta-se que a cidade possui um déficit de aproximadamente 40 mil leitos para atender às necessidades da COP30. E como resolver essa questão?

Há que se pensar em alternativas que levem em consideração, principalmente, o perfil do público participante desse tipo de evento, que, segundo os registros, são os delegados governamentais dos países signatários da Convenção, os quais são os únicos com poder de voto, além de jornalistas e integrantes de organizações não governamentais (ONGs), movimentos sociais em geral, entre outros, que participam como observadores. A RMB, com 13 mil leitos disponíveis em hospedagens tradicionais, tem a tarefa de cadastrar mais 27 mil leitos, o que pode ser solucionado inspirando-se na experiência de 2009, com a realização do Fórum Social Mundial, principalmente por estarmos falando de um evento que tem como eixo central a sustentabilidade, que apresenta princípios de solidariedade, justiça e equidade. Assim, os participantes que estão fora do perfil diplomático, alto escalão governamental, possivelmente seguirão a estrela de Belém rumo ao Norte, em busca de experiências sustentáveis e  dispostos a vivê-las.

Com base nessa perspectiva, penso que Belém é capaz de mudar paradigmas, qualificar as estruturas e exaltar a imagem e a emoção de nossa população para que estejam incluídos e respeitados nesse processo. O envolvimento da população local fará a diferença em todos os sentidos, seja político, seja cultural, seja estrutural, com envolvimento dos territórios continental e insular para atender à demanda por hospedagem familiar.

A Conferência das Partes para o Clima em Belém será, com certeza, nas últimas décadas, um dos maiores desafios que se enfrentará. E esse desafio é de todo belenense, seja o vendedor informal, o acadêmico, o professor, o estudante, o comerciante, o empresário, a dona de casa, as instituições governamentais, as organizações da sociedade civil, ou seja, da população de Belém. Precisamos assumir essa missão coletivamente, Belém merece ser vista pelo mundo, a despeito dos nossos problemas. Vamos nos apresentar como somos, mas acolhendo e sendo hospitaleiros como fazemos com nossos convidados.

Os organismos nacionais e internacionais, as populações de outras paragens querem estar aqui, nos conhecer, vivenciar nossa cultura, a gastronomia, as manifestações; experimentar o banho no rio, que parece mar, mas é doce. É necessário deixarmos o sentimento de que não estamos preparados. E vamos partir para a organização, a estruturação, a qualificação, e usemos toda a nossa capacidade e criatividade. Nosso território tem sim capacidade, nosso povo tem sim habilidade criativa, e somos tão hospitaleiros que nossos convidados sempre querem mais.

Mas faz-se necessário avançar, superar os desafios e as dificuldades, precisamos criar alternativas e agarrar as disponíveis que podem possibilitar as mudanças necessárias que sempre almejamos, com objetivo de qualificar a cidade para os moradores e visitantes. As narrativas de que Belém não tem condições de receber um megaevento é derrotista, é de quem não consegue sair da zona de conforto e não aceita os avanços inerentes aos processos conjunturais, de quem trabalha pela exclusão socioeconômica, pois os megaeventos geram empregos diretos e indiretos, além de estabelecer legados estruturais e socioculturais para as cidades em que são realizados, a exemplo de outras capitais brasileiras. Que venha a COP30, Belém te espera.

Silvia Helena Ribeiro Cruz é turismóloga com Pós-Doutorado na temática do Turismo.  É docente da Faculdade de Turismo/UFPA e pesquisadora da Rede de Pesquisa em Turismo na Amazônia.

*Foto de capa Pedro Guerreiro/Ag. Pará

Edição: Edmê Gomes Paixão
Beira do Rio Ed.169 - Dez/Jan/Fev 2023-2024

 

 

Fim do conteúdo da página