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Opinião

Publicado: Sexta, 05 de Outubro de 2018, 14h00 | Última atualização em Segunda, 08 de Outubro de 2018, 19h18 | Acessos: 3365

NAEA: 45 anos (re)pensando o desenvolvimento da Pan-Amazônia

Por Durbens M. Nascimento Foto Alexandre de Moraes

Este ano de 2018, o Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (NAEA) comemora o transcurso de seus 45 anos. Uma caminhada longa e árdua que se iniciou em 1973, com a implantação do primeiro Curso Internacional de Formação de Especialistas em Áreas Amazônicas (Fipam). Nesse período histórico, abrigou, além de estudantes brasileiros, belgas, venezuelanos, bolivianos, guianenses, equatorianos, peruanos e colombianos.

Passadas quatro décadas, o NAEA, como Unidade Acadêmica destinada exclusivamente à pós-graduação, tornou-se uma referência internacional nos estudos sobre o desenvolvimento na Pan-Amazônia, descortinou novos modelos interpretativos sobre os problemas socioambientais existentes na região e questionou, radicalmente, a literatura convencional sobre o desenvolvimento nos Trópicos.

O NAEA nucleou a criação de diversos cursos de mestrado e doutorado na Amazônia. Credenciou em suas pesquisas professores e pesquisadores da Europa, dos EUA e da América Latina. Esses pesquisadores, por motivos diversos, migraram de outras unidades acadêmicas, foram admitidos por concurso público ou convidados como pesquisadores visitantes de instituições de ensino e pesquisa do exterior. Essa plêiade contribuiu para consolidar uma referência obrigatória, sem, no entanto, possuir, por longo tempo, um corpo docente próprio de pesquisadores. O desenho organizacional da instituição permitia que pesquisadores interessados em pensar o desenvolvimento da Pan-Amazônia viessem de diferentes Unidades da UFPA para integrar o Núcleo.

O resultado desse esforço coletivo, dos pioneiros e de seus sucessores ao quadro atual de pesquisadores, estudantes e técnicos, resultou na formação de uma comunidade acadêmica reconhecida e respeitada internacionalmente, comprometida com a construção de uma sociedade democrática, soberana, inclusiva, e que sempre defendeu a Amazônia.

As raízes históricas que influenciaram a criação do NAEA remontam ao começo dos anos 1970 e baseiam-se na necessidade de ampliação de uma demanda intelectual e acadêmica direcionada à reflexão fora dos padrões das ciências sociais clássicas, conteúdos teóricos e metodológicos vindos dos centros científicos e tecnológicos mais avançados do mundo,  porém sem consistência aplicativa na realidade amazônica.

Uma resposta crítica a essa literatura convencional sobre o desenvolvimento e a Amazônia levou à constituição de um ambiente alternativo, cujo protagonismo coube ao professor Armando Dias Mendes, que tomou, como seu, o sonho de um conjunto de pesquisadores do antigo Centro Socioeconômico da UFPA, atualmente Instituto de Ciências Sociais Aplicadas (ICSA), que reivindicavam a construção de um espaço para estudos e pesquisas de alto nível sobre e na Amazônia.

Como pró-reitor de Planejamento, na gestão do então Reitor Aloysio da Costa Chaves, o professor Armando Dias Mendes sugeriu e criou um Grupo de Estudos que elaborou a proposta de constituição do NAEA, em 1972. Ele articulou, institucionalmente, as alianças necessárias para a aprovação do Núcleo nas instâncias superiores da UFPA. No seu apartamento, no bairro Umarizal, em Belém, onde as reuniões se realizavam, brotou o desenho do que seria o NAEA, um centro de pesquisa e ensino diferenciado na organização institucional, com uma proposta multidisciplinar.

Se o professor Armando Dias Mendes teve um papel primordial para pensar e organizar um núcleo de pesquisa e planejamento para investigar os problemas amazônicos, a tarefa não menos importante para transformá-lo em ferramenta da ação institucional, acadêmica e política coube ao professor José Marcelino Monteiro da Costa. Economista, que, com maestria, competência e visão estratégica, de 1973 a 1983, encaminhou as mudanças para transformar o incipiente NAEA em um poderoso espaço de reflexão científica na Amazônia.

Sobre esse grupo de professores e pesquisadores, pioneiros, pesava o contexto caracterizado pela crença no planejamento estatal que exigia, dos governos e das sociedades, alternativas para os impasses inerentes ao modelo de desenvolvimento baseado na exploração impiedosa dos recursos naturais e medido pelo indicador PIB, típico de uma Europa mergulhada na estagnação.

Na América Latina e na Ásia, a realidade era diferente. Alguns países desses continentes mostravam-se dispostos a caminhar na contracorrente dessa tendência, caso do Japão,  com altos índices de crescimento do PIB, chegando a 10% ao ano na década de 70. Os chamados tigres asiáticos iniciaram uma onda desenvolvimentista numa trajetória singular, calcada fortemente em pesados investimentos públicos em educação e na indústria de base estratégica - metalurgia, química e eletrônica. Na América Latina, o Brasil despontava com altos índices de crescimento do PIB.

Nesse contexto, a pressão sobre lideranças políticas, Burocratas e policy makers encastelados na ONU surte efeito, na medida em que, no campo científico, a Comisión Económica para América Latina y el Caribe (Cepal) foi criada para promover estudos sobre o desenvolvimento e tomou a tese do planejamento como indutor do desenvolvimento, com vistas a romper com a dependência econômico-financeira.

Reinserindo o papel do Estado para superar as desvantagens econômicas e as falhas do mercado, aos países periféricos, definidos como exportadores de matérias-primas e consumidores de bens manufaturados, restava a industrialização pesada, com fortes investimentos públicos.

Na Amazônia, sem um tratamento prioritário por parte de sucessivos governos nacionais e estaduais desde o século XVIII, no que se refere a integrá-la de forma simétrica à rede nacional de desenvolvimento com distribuição equânime dos benefícios naturais extraídos da floresta amazônica, o governo, em contexto de vigência de regras limitantes, tecnocráticas e autoritárias, lança, na década de 70, um conjunto de políticas econômicas com o objetivo de enquadrar a região no circuito de poder do grande capital financeiro internacional associado a grandes empresas nacionais.

A solução desses problemas requer das universidades, em particular as da Região Amazônica, uma tomada de posição quanto ao processo em curso de intervenção governamental. Esse ambiente se reflete nas decisões institucionais das universidades, entre elas a UFPA.

Nesse contexto, o NAEA evolui estrategicamente tomando como referência a interdisciplinaridade, objetivo a ser perseguido a fim de superar os limites da ciência normal.

Na esfera acadêmica, a interdisciplinaridade dava seus primeiros passos. O pesquisador francês Georges Gusdorf, em 1961, apresenta pesquisa sobre as chamadas Ciências Humanas, pesquisa esta encomendada pela Unesco, com o objetivo de alterar, positivamente, a trajetória da ação integradora entre as diversas disciplinas científicas.

Outro nome importante nessa perspectiva é de Hilton Japiassú, que introduz o debate no Brasil em 1977, com o livro Interdisciplinaridade e Patologia do saber. Essa obra foi usada por gerações de professores da disciplina Metodologia Interdisciplinar, no mestrado e no doutorado do NAEA.

Professores como Marcelino Monteiro, Jean Hébette, Rosa Acevedo, Edna Castro, Samuel Sá, Eduardo Aragón Vacca, Heraldo Maués, Francisco de Assis e outros formaram a primeira escola interdisciplinar na Amazônia, cuja produção intelectual coletiva está na base da formação de centenas de alunos.

Em 1977, o NAEA implantou o Mestrado em Planejamento do Desenvolvimento (Plades), o primeiro interdisciplinar do Brasil. Em menos de uma década, implantou-se, em 1994, o primeiro curso de Doutorado em Desenvolvimento Sustentável do Trópico Úmido (PPGDSTU). Com conceito 6 na avaliação da Capes, o curso é referência no desenvolvimento sustentável no Brasil e no exterior.

Nesses 45 anos, o balanço da evolução e consolidação da perspectiva interdisciplinar do Núcleo é demonstrado por números que servem de indicador para o desenvolvimento regional sustentável. No âmbito do Plades, foram concluídas 410 dissertações; no doutorado, 145 discentes obtiveram o título de doutor;  e no Programa de Pós-Graduação Lato Sensu (PPLS), centenas de monografias foram defendidas.

O desafio contemporâneo do NAEA é avançar no fortalecimento do movimento Interdisciplinar. O estágio atual aconselha prudência nas avaliações sobre o termo, tanto no sentido de estratégia quanto no de método, atitude ou paradigma.

A permanência da disciplinaridade, da trans/interdisciplinaridade no debate da ciência na contemporaneidade talvez seja um indicador de que esta não é uma questão entre o passado e o futuro da ciência. A razão está no fato de que a disciplina, na compreensão do fenômeno a ser investigado, continua determinando quais trajetórias de diálogo serão necessárias para aumentar o poder explicativo dos processos, as relações e os eventos.

O NAEA está de parabéns! Atravessou, incólume, as mudanças significativas na sociedade, no Estado e nas universidades. Duas épocas históricas, dois regimes políticos: a ditadura militar e a democracia liberal. Mas precisa se fortalecer ainda mais para os desafios deste milênio. A tentativa de transformá-lo em um instituto, ainda que fracassada em um primeiro momento, revela a disposição da comunidade “naeana” em descortinar novas possibilidades organizacionais e acadêmicas. A sua capacidade de mobilização política em defesa da democracia, da Amazônia, da soberania e dos direitos sociais do povo brasileiro e, ao mesmo tempo, o reconhecimento da excelência expressam possuir a vocação para a ciência e a vocação para a política. Jamais pode o pêndulo pender para um dos lados.

Durbens M. Nascimento – cientista político, pós-doutor pelo Programa de Pós-Graduação Sociedade e Natureza da Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA), professor e pesquisador do PPGDTU/NAEA/UFPA. Diretor Geral do NAEA.

Ed.145 - Outubro e Novembro de 2018

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