Desafios da gestão dos resíduos sólidos em três capitais brasileiras
Universidade parceira da coleta seletiva na capital de Goiás
Por Carolina Melo, Kharen Stecca, Tarcízio Macedo e Carla Mello (*) Foto Carlos Siqueira
Quando, em 2006, o Programa Goiânia Coleta Seletiva (PGCS) ainda estava em discussão, a Universidade Federal de Goiás (UFG) já era uma das instituições parceiras para pensar sua estruturação ao longo do Fórum Permanente da Coleta Seletiva, coordenado pela Superintendência Regional do Trabalho em Goiás. E, durante os encontros e debates daquele ano, um detalhe chamou a atenção do servidor da UFG Fernando Bartholo: “Só se falava no material necessário para construir a coleta seletiva: galpões, equipamentos, como se a coleta seletiva parasse na porta das cooperativas. Mas, e as pessoas?”. Nesse momento, segundo ele, surgiu a compreensão de como a universidade poderia contribuir, ou seja, com a organização e capacitação dos catadores de materiais recicláveis organizados em cooperativas.
“A universidade trabalha com pessoas. Pensamos que poderíamos trabalhar com o que chamamos ‘porta adentro da cooperativa’. Começamos a pensar meios de formar e preparar os cooperados para receber essa coleta seletiva do município e foi assim que nos inspiramos para criar a Incubadora Social da UFG”, conta. As incubadoras têm o papel de auxiliar empreendimentos para que possam se inserir no mercado e tornarem-se viáveis e lucrativos. As incubadoras sociais, no entanto, para além disso, atuam junto a grupos vulneráveis, oferecendo formação básica cooperativista e outras condições específicas, como acolhimento e formação escolar.
A Incubadora Social da Universidade Federal de Goiás (UFG) teve, então, suas sementes plantadas em 2007, um ano antes do início da coleta seletiva em Goiânia. Em março de 2008, no mesmo mês em que o prefeito, Íris Rezende, oficializou, por decreto, o Programa Goiânia Coleta Seletiva e seu grupo de trabalho, a Incubadora Social foi contemplada pelo Edital da Secretaria Nacional de Economia Solidária 01/2007/SENAES/MTE, com recursos do Programa Nacional de Incubadoras (Proninc), que fomentou a implantação de incubadoras nas universidades brasileiras.
De um bairro para toda a capital
Naquele princípio, a universidade se propôs a trabalhar com três grupos de catadores: dois já formalizados como associação de catadores; e outro grupo, que atuava no entorno do Campus Samambaia da UFG e precisava da formalização. Conforme lembra Fernando Bartholo, a proposta inicial discutida pelo fórum era começar a coleta seletiva no Jardim América, o maior bairro de Goiânia, e ampliar, para os outros, de forma gradativa. Mas a prefeitura resolveu que a coleta deveria ser implementada na cidade toda. “Felizmente muitos grupos de catadores surgiram em várias áreas de Goiânia. O trabalho que seria realizado com três cooperativas foi finalizado no ano de 2008, com quase dez cooperativas incubadas”.
Nos dois primeiros anos, a consolidação da coleta seletiva contou com a parceria informal entre a Companhia de Urbanização do Município de Goiânia (Comurg), a Agência Municipal do Meio Ambiente (Amma) e a UFG. “Quando surgia um grupo de catadores querendo participar do programa, a Comurg fazia a avaliação da quantidade de materiais recicláveis que era possível entregar. A Amma fazia a vistoria e avaliação do local físico da cooperativa. E a UFG identificava e avaliava se o grupo cumpria os requisitos de uma cooperativa”, explica Fernando. O objetivo era evitar que grupos de catadores que não cumpriam os critérios de organizações cooperativistas recebessem os materiais da prefeitura.
Para Ormando Pires, servidor da Companhia de Urbanização de Goiânia e atualmente superintendente de Gestão Ambiental e Licenciamento da Agência Goiana de Meio Ambiente (AMMA), “talvez o maior desafio tenha sido a transformação dos diversos catadores numa equipe de cooperados. Daí a importância da universidade no fomento da autogestão da organização coletiva”. De acordo com ele, não só no processo inicial, mas também no acompanhamento contínuo realizado pela universidade, as cooperativas foram fortalecidas como organizações ativas e atuantes no mundo do trabalho.
Papel Social
A capital de Goiás, em 2008, passou a ter duas modalidades de coleta seletiva: aquela realizada pela prefeitura e outra destinada aos pontos de entrega voluntária (PEVs). O recolhimento dos materiais era realizado em dez grandes bairros geradores de resíduos (Jardim América, Aeroporto, Bueno, Campinas, setor Central, Coimbra, Marista, setor Oeste, setor Sul e setor Leste Vila Nova) e direcionado às cooperativas cadastradas. Em 2009, houve o lançamento da Coleta Seletiva domiciliar, porta a porta, nos bairros da capital. Atualmente, mais de duas toneladas de recicláveis são recolhidas por mês, por meio de 16 caminhões da Comurg, e distribuídas para 14 cooperativas de catadores cadastrados.
As primeiras ações da Incubadora Social da UFG junto aos catadores de materiais recicláveis foram as de formação, garantindo o entendimento dos trabalhadores em relação a como se estruturam as cooperativas de economia solidária. “Começamos a pensar com os catadores como se estabelece a organização administrativa, a gestão coletiva e igualitária, e o trabalho em uma cooperativa. Nesse caminho, nos deparamos com grupos querendo realmente entender como se formalizava uma organização, mas também tivemos muitas pessoas que consideravam a cooperativa como seu empreendimento particular e, então, reafirmávamos os princípios do cooperativismo”.
Para além da parte formativa, hoje a incubadora auxilia na gestão de produção, gestão administrativa e comercialização das seis cooperativas que se adequaram aos princípios do cooperativismo e continuaram a parceria com a universidade. “Das 14 organizações de catadores que atualmente fazem parte do Programa Coleta Seletiva de Goiânia, 12, em algum momento, estiveram incubadas conosco", lembra Fernando Bartholo. O trabalho avançou de tal forma que, a partir de 2013, de acordo com o servidor da UFG, as seis cooperativas que atualmente são acompanhadas pela incubadora se juntaram e formaram a Central das Cooperativas Unidos Somos Mais Fortes (Rede Uniforte) para ganhar volume, escala na produção e comercializar os materiais diretamente com as indústrias, evitando os atravessadores.
A atual presidente da Rede Uniforte e presidente da Cooperativa Reciclamos e Amamos o Meio Ambiente (Cooper Rama), Dulce Helena do Vale, ressalta o papel da UFG no assessoramento dos catadores. “Antes, começávamos o negócio sem nenhum conhecimento. Com os cursos e formações, aprendemos muito e a universidade continua auxiliando inclusive nas mudanças de legislação e em novos projetos”, explica. Segundo Dulce, ao direcionar o olhar para os catadores, a Incubadora Social auxiliou as cooperativas também na mediação de conflitos e no amparo aos trabalhadores. “Mesmo sem recursos de projetos, a UFG não deixou de assessorar as cooperativas”, conta.
Fernando Bartholo, por sua vez, lembra que a sustentabilidade, a cooperação, a solidariedade e a autogestão, esta última exclusiva do cooperativismo, caracterizam uma cooperativa de economia solidária. O papel da incubadora é que, um dia, essas cooperativas sejam autossuficientes. Ele conta que uma das coisas que mais são frisadas nas formações é a necessidade de cumprir o combinado em assembleia, o que fez surgir uma expressão muito utilizada por eles: “Combinou, tá combinado”, frase esta que reforça o princípio da autogestão.
Valor no mercado
A estreita atuação entre as cooperativas de materiais recicláveis de Goiânia e a universidade impulsionou a criação da Unidade de Processamento de Vidro na capital, que, agora, agrega valor ao material recolhido e que é pouco apreciado no mercado. “O problema do vidro”, conforme afirma a presidenta da UniForte, Dulce do Vale, “é um problema de todas as cidades”, devido ao enorme volume de descarte e pouco valor atribuído. A demanda, então, foi levada por Dulce para a Incubadora Social, que propiciou o levantamento de recursos, por meio de Termo de Cooperação com a extinta Secretaria Nacional de Economia Solidária (Senaes), atualmente Secretaria Nacional de Inclusão Produtiva Urbana (Senisp) do Ministério da Cidadania, para a criação da Unidade de Processamento no espaço da Universidade Federal de Goiás, em parceria com a Uniforte e com o Ministério Público de Goiás (MPGO).
A intenção é atender, além das cooperativas da Uniforte e de Goiânia, às de outros municípios, por isso a capacidade dos equipamentos foi dimensionada com folga. Segundo Dulce, o caminhão que antes poderia carregar oito toneladas de vidro, com o processamento do material (vidro moído), pode carregar até 22 toneladas, o que diminui o frete do produto. Com essa alteração, hoje, o quilo do produto passou de R$ 0,05 para R$ 0,10 centavos e ainda pode melhorar.
O projeto de beneficiamento do vidro funciona, atualmente, em uma área locada, mas por pouco tempo. A intenção é que ele venha a se instalar em uma área cedida pela universidade - com cerca de 35 mil metros quadrados – na qual vai funcionar o Polo de Tecnologias Sociais e Sustentabilidade, que está sendo negociado. Dulce espera que isso aconteça ainda em 2022.
Assista à reportagem produzida pela TV UFG aqui.
(*) Carolina Melo e Kharen Stecca são jornalistas da UFG, Tarcízio Macedo é jornalista e estudante de pós-graduação da UFRGS e Carla Mello é estudante de Jornalismo da UFRGS. Produção audiovisual: TV UFG. Edição: Felipe Ewald e Rosyane Rodrigues
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