Universidades federais reforçam importância das políticas de ações afirmativas
Experiência na UFPA, UFRGS, UFG e UnB aponta mudanças no perfil dos estudantes
Por Tarcízio Macedo, com informações de Edmê Gomes, Carolina Melo e Mateus Salomão (*) Fotos Diogo Marçal, Flávio Dutra, Beatriz Ferraz e Alexandre Moraes .
Em 7 de junho de 2003, a edição impressa do Jornal do Brasil destacou que a UnB tinha apenas 2% de graduandos negros. Em uma década, a política afirmativa mudou esse cenário: no primeiro semestre de 2013, pretos e pardos somavam 31% dos graduandos, segundo o Decanato de Planejamento, Orçamento e Avaliação Institucional (DPO/UnB). Seis anos depois, pretos e pardos eram 47,8% dos graduandos (quase 19 mil), de acordo com o Anuário Estatístico 2020.
Na UFPA, dados do Centro de Indicadores Acadêmicos (CIAC/UFPA) mostram que entre 2010 e o primeiro trimestre de 2022 ingressaram na instituição 30.002 estudantes negros (de cor parda ou preta). No ano passado, 3.740 estudantes entraram na UFPA apenas por meio das cotas raciais. Na opinião da professora Zélia Amador, hoje o perfil de estudantes dentro da Universidade mudou graças à reserva de vaga: “[…] se a cota não tivesse sido implementada desde 2008, alguns cursos, como Comunicação Social e Arquitetura, não teriam nenhuma pessoa negra”, comenta.
Na UFRGS, o último vestibular sem cotas, realizado em 2007, contou com a entrada de 3,17% de candidatos pretos e pardos. No ano seguinte, em 2008, já com a política de ações afirmativas da Universidade vigente, esse número quase quadruplicou, chegando à marca de 11,12%, de acordo com dados da CAF/UFRGS. Mais recentemente, no primeiro trimestre de 2020, 41,1% dos alunos de graduação que ingressaram na instituição o fizeram a partir da política de reserva de vagas. Isso equivale a 9.224 estudantes, dos quais 3.237 são vinculados às cotas raciais. Hoje, de acordo com o diretor da CAF, 52% dos alunos da UFRGS são oriundos de escola pública.
Na UFG, o quantitativo de alunos de graduação beneficiados pela Lei de Cotas e matriculados chegou a 7.314 em 2022. Destes, 4.137 estão vinculados em cotas PPI. Do total de estudantes vinculados em cotas PPI, 3.097 declararam a cor parda, 1.035 a cor preta e 5 a etnia indígena. Diogo Marçal viu de perto essa mudança no perfil dos estudantes entre 2003 a 2010, período em que esteve vinculado à instituição, e comenta que havia uma sensação de que todos os estudantes negros eram conhecidos. Em visita feita à UFG em meados de 2013, ele relata: “Fiquei estarrecido com a quantidade de estudantes negros circulando […]. Os corpos que circulavam eram outros na UFG. Não dá para nós negarmos o impacto que foram, no corpo estudantil, as políticas de ações afirmativas e políticas de cotas”, relembra.
Dez anos depois: há o que comemorar?
Embora a política de cotas não resolva o problema racial, para Eliane Almeida elas dão conta de um processo de inclusão para os grupos que são etnicamente excluídos. “Se nós hoje temos uma universidade mais plural, mais diversa, é porque tivemos uma política muito forte que deu certo. Que incomoda, desacomoda, tira algumas coisas do lugar e que existe”, destaca. Para a professora emérita da UFPA, Zélia Amador, a política de cotas faz com que a universidade deixe de ser apenas um reduto da classe média branca e “[...] passe a conviver com outros grupos que historicamente sempre estiveram fora dela”.
Para Edilson Nabarro, os dez anos da vigência da Lei de Cotas permitem festejar os resultados qualitativos e quantitativos, especialmente na melhoria da presença negra na universidade. Os resultados alcançados permitem a celebração do êxito das políticas de ações afirmativas nas instituições de ensino públicas brasileiras, mas ainda existem inúmeros desafios para a consolidação de programas e ações voltados mais efetivamente aos diagnósticos reconhecidos durante os anos.
Em debate nos últimos tempos, a expansão das políticas para os programas de pós-graduação e para o emprego mostram os avanços ainda necessários para a diminuição das desigualdades raciais no ensino e no trabalho. A relação entre as ações de ingresso e permanência na graduação e na pós, assim como as articulações entre as políticas de acompanhamento acadêmico e apoio material, dão a tônica dos desafios institucionais ainda persistentes.
Esse cenário de incentivo e manutenção às políticas de inclusão e ações afirmativas é complexificado com a demanda por diversos mecanismos de fiscalização e controle para fazer frente às tentativas de fraudar o sistema. Nesse sentido, as IFES têm criado estruturas institucionais – como assessorias, comitês e coordenadorias – destinadas ao acompanhamento, à fiscalização e à efetivação da política.
Os números atuais, no entanto, devem ser comemorados, reforça Edilson. “Nós temos que positivar os ganhos até agora alcançados com muito esforço, mesmo que insuficientes. A política ajudou a diversidade na universidade”, finaliza.
Assista à reportagem produzida pela TV UFG aqui
Tarcízio Macedo é jornalista e estudante de pós-graduação da UFRGS, Edmê Gomes é jornalista e estudante de pós-graduação da UFPA, Carolina Melo é jornalista da UFG e Mateus Salomão é estagiário da UnB/Revista Darcy. Produção audiovisual: TV UFG com apoio da TV UFPR e UFPA. Edição: Edmê Gomes (UFPA), Felipe Ewald e Mírian Barradas (UFRGS), Carolina Melo (UFG), Serena Veloso e Vanessa Vieira (UnB).
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