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Do Quilombo à Universidade

Publicado: Quarta, 04 de Outubro de 2017, 17h40 | Última atualização em Quinta, 05 de Outubro de 2017, 19h36 | Acessos: 10517

Dissertação discute trajetória de alunos quilombolas na UFPA

Por Gabriela Bastos Infográfico Priscila Santos

A busca para compreender o percurso social e educacional do negro no Brasil foi a principal motivação para a pesquisadora Laís Rodrigues Campos escrever a dissertação Do Quilombo à Universidade: Trajetórias, Relatos, Representações e Desafios de Estudantes Quilombolas da Universidade Federal do Pará, Campus Belém, quanto à permanência, defendida no Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGED/ICED), sob a orientação da professora Lúcia Isabel da Conceição Silva.

Laís Campos explica que começou a perceber a importância de pesquisar as políticas educacionais no ensino superior brasileiro ao perceber que existiam muitas pesquisas sobre as cotas, mas nenhuma era direcionada aos quilombolas. “Não encontrei trabalhos que discutissem a modalidade de cota para quilombolas no ensino superior. Como a Universidade Federal do Pará (UFPA) foi uma das pioneiras no País, percebi a importância de pesquisar a respeito dessas políticas”, relata a pedagoga.

O objetivo da pesquisa foi analisar as trajetórias, as representações e os desafios de estudantes quilombolas da UFPA Campus Belém na construção do processo de acesso ao ensino superior e permanência nele. Segundo Laís Campos, o sentido principal da pesquisa foi investigar o percurso educacional desses acadêmicos desde a educação básica nas comunidades quilombolas até o ingresso na universidade e os possíveis obstáculos para permanecer nela.

A investigação foi de natureza qualitativa. A pesquisadora utilizou-se do levantamento documental sobre a política de cotas no Brasil e na UFPA, além de entrevistas com estudantes quilombolas do Campus Belém aprovados pela reserva de vagas em processo seletivo especial.

Os alunos que participaram da pesquisa ingressaram pelo processo seletivo especial para quilombolas e indígenas na UFPA, no período de 2013 a 2015. A faixa etária variava entre 18 e 30 anos. Todos eles são oriundos de comunidades quilombolas rurais e concluíram a educação básica em seus respectivos municípios. “Todos em condições muito semelhantes de estudo, ou seja, com grandes dificuldades, em virtude da precariedade do ensino nesses espaços, como relatado pelos entrevistados”, revela Laís Campos.

Quilombolas: primeiro processo seletivo foi em 2012

A pesquisadora explica que o contexto das comunidades quilombolas no Pará vai além da afirmação do valor de sua identidade, pois inclui a luta pela terra e contra as formas de expropriação diante do avanço de grandes projetos na Amazônia.  Assim, as políticas de ação afirmativa têm como finalidade promover a igualdade a respeito das questões históricas, sociais e discriminatórias vivenciadas pela população negra. “No âmbito educacional, as ações afirmativas representam uma política antirracista voltada a essa população invisibilizada historicamente em nosso país”, avalia Laís Campos.

As ações afirmativas foram aprovadas pela UFPA em 2005, porém o primeiro vestibular com seleção diferenciada para quilombolas só foi publicado em 2012. Atualmente, esse processo ocorre em duas etapas: na primeira, o candidato escreve uma redação em língua portuguesa; na segunda, participa de uma entrevista. Além disso, todos os candidatos apresentam uma declaração de pertencimento especificando vínculo social, cultural, político ou familiar com algum povo indígena, comunidade quilombola ou comunidade tradicional.

A pesquisa revelou que, no ingresso, no acesso e na permanência, os universitários quilombolas foram invisibilizados no espaço acadêmico e passaram a lutar coletivamente para superar várias barreiras imposta por um capital cultural, informacional e econômico. “Algumas demandas foram sendo conquistadas, como participação em projetos, assistência estudantil, reforço acadêmico, eventos, algo que já vinha sendo reivindicado há vários anos, com a luta do movimento negro paraense”, destaca a pesquisadora.

Laís Campos relata que a entrevista realizada com a aluna Queila da Costa, aluna do curso de Direito, foi emocionante. “Foi o relato da luta de seu povo, das dificuldades enfrentadas por todos os estudantes quilombolas. Da chegada à Universidade, da angústia por que muitos passaram, das incertezas e da garra em continuar o curso,” lembra.

Queila da Costa Couto faz relato emocionante

Queila da Costa Couto, estudante do curso de Direito da UFPA, é quilombola da Comunidade Igarapé São João, em Abaetetuba. Queila relata que cresceu em meio a dificuldades, seu pai trabalhava na roça e sua mãe dava aulas em casa, já que as aulas da comunidade eram ministradas em casas de moradores e em barracões. Nesses locais, funcionavam as aulas das séries iniciais do ensino fundamental. Quando os alunos não tinham condições de vir para Belém estudar, repetiam o ano.

Queila lembra o grande impacto que sentiu ao chegar à Universidade: “passei a conviver com pessoas diferentes e com visões diferentes sobre a nossa forma de ingresso na Universidade. Posso dizer com visões preconceituosas e racistas”, afirma.

A estudante reforça que a luta dos quilombolas na UFPA já avançou bastante, mas muito ainda precisa ser feito. Segundo ela, a Universidade precisa estar mais atenta aos alunos e auxiliá-los em suas dificuldades acadêmicas, entre elas a do senso comum, que diz que cotistas “tomam” vagas de não cotistas. “Os alunos precisam entender que não estamos na Universidade para tomar lugar de ninguém, mas para ocupar um lugar que também é nosso. Somos negros, quilombolas e também temos direito à educação de qualidade, a ocupar os bancos das universidades e os cargos que a elite também ocupa, porque merecemos respeito”, desabafa Queila.

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Dissertação: Do Quilombo à Universidade: Trajetórias, Relatos, Representações e Desafios de Estudantes Quilombolas da Universidade Federal do Pará, Campus Belém.

Autora: Laís Rodrigues Campos

Orientadora: Lúcia Isabel da Conceição Silva

Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGED/ICED)

 

Ed.139 - Outubro e Novembro de 2017

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