Informação gera empoderamento
Projeto de extensão alerta grávidas contra a violência obstétrica
Por Aila Beatriz Inete Foto Acervo do Projeto
Em 2017, foram registrados 2,7 milhões de partos no País, considerando apenas aqueles realizados nos serviços públicos de saúde. De acordo com a pesquisa feita por Kelly Gonçalves Meira Arruda, em seu artigo A Violência Obstétrica: o que nos contam alguns números da pesquisa da Rede Cegonha no Sistema Único de saúde, 12,6% das mulheres em trabalho de parto sofreram algum tipo de violência obstétrica.
No Brasil, quase 60% das grávidas têm filhos por meio de cesarianas. Enquanto a Organização Mundial da Saúde considera saudável até 15% desses procedimentos por ano, no Brasil, só na rede privada de saúde, essa taxa chega a 88%. Segundo especialistas, as cesáreas feitas sem necessidade são um dos casos típicos de violência obstétrica. Nesse sentido, a professora Edna Abreu Barreto criou o Projeto TransformaDOR, com o objetivo de fazer o enfrentamento a esse tipo específico de violência contra a mulher pouco conhecido.
“A ideia do projeto nasce com a minha própria gravidez. Há treze anos, eu me vi diante desse tema e nunca tinha ouvido falar de violência obstétrica, até então”, conta Edna Abreu. Segundo a professora, depois de participar de grupos de grávidas quando morava no Rio de Janeiro e fazia doutorado em Educação, ela percebeu que Belém era carente dessa rede de apoio, especialmente dentro do Sistema Único de Saúde (SUS).
“Comecei a atuar ainda fora da UFPA, como militante de movimentos sociais, pois integro a Rede de mulheres ‘Parto do Princípio’. Essa experiência pessoal me fez observar que justamente as mulheres em condições de vulnerabilidade social não tinham acesso à informação”, explica Edna Abreu.
A violência obstétrica são abusos, maus-tratos, desrespeitos que equivalem a uma violação dos direitos humanos fundamentais das mulheres, segundo a própria Organização Mundial de Saúde. “No Estado de Santa Catarina, a lei descreve a violência obstétrica como todo ato praticado pelo médico, pela equipe hospitalar, por qualquer familiar ou pelo acompanhante que ofenda, de forma verbal ou física, as mulheres em trabalho de parto ou no pós-parto”, explica.
Ações iniciaram na Unidade de Saúde da Pratinha
O Projeto TransformaDOR tem o objetivo de empoderar mulheres grávidas para que elas não sofram a violência obstétrica. O grupo esteve vinculado à Faculdade de Educação, pois, de acordo com Edna Abreu, trata-se de uma ação de educação em saúde. “Em 2016, o projeto ficou alojado na Unidade Municipal de Saúde da Pratinha. Iniciamos com uma reunião técnica com a equipe da unidade, incluindo enfermeiros, obstetras, assistente social, psicólogo, técnico de enfermagem e nutricionista e então fizemos a formação interna sobre o tema”, lembra a professora.
De acordo com Edna Abreu, o debate sobre esse tema não faz parte da formação de muitos profissionais que atuam com mulheres, levando estes a reproduzirem práticas antigas e já superadas na atenção obstétrica. “Tratar a mulher de forma grosseira, zombateira, brincar com a dor, impedir a mulher de caminhar no trabalho de parto ou de ter um acompanhante, obrigar a mulher a ficar deitada, apressar o parto com ocitocina sintética são procedimentos considerados violentos”, afirma a coordenadora.
Além desses exemplos, também devem ser evitadas a episiotomia (o corte na vagina) e a Manobra de Kristeller (quando o profissional sobe na barriga da grávida para empurrar o bebê). Tais práticas são contraindicadas pelo Ministério da Saúde.
Para a professora, o tema precisa de maior visibilidade, pois, diante da cultura violenta de atenção ao parto, muitas mulheres acabam considerando como parte dos procedimentos essas práticas invasivas. “São procedimentos rotineiros e violentos muito difíceis de se romper, daí a importância do projeto”, avalia Edna Abreu, que considera a violência obstétrica um tipo específico de violência de gênero que merece ser debatido.
Encontros quinzenais com o apoio de voluntários
O Projeto TransformaDOR funcionou durante três anos, em Belém, e finalizou suas ações de apoio às gravidas em 2018. No primeiro ano, as ações ficaram concentradas na Unidade Básica de Saúde da Pratinha, bairro periférico de Belém. “A equipe de serviço da Unidade da Pratinha acabou deliberando que o projeto seria a estratégia de educação em saúde no pré-natal”, afirma Edna Abreu. Na Unidade da Pratinha, passaram pelo projeto cerca de 400 pessoas, entre mulheres grávidas, acompanhantes, profissionais da saúde e voluntários.
“Partimos do conceito de Paulo Freire, em que a metodologia é forjada com o oprimido. Assim, a formação das mulheres se realizava, quinzenalmente, em rodas de conversas, sessões de vídeos, dança circular, despedidas de barriga, sessões de relaxamento, lanche coletivo, distribuição de brindes, entre outras atividades que visam romper a ideia de palestras proferidas”, relembra Edna. O grupo era formado somente por voluntários, incluindo doulas (assistente de parto, sem, necessariamente, a formação médica), estudantes de Enfermagem, Pedagogia e Psicologia.
O principal enfoque do grupo era o combate à violência obstétrica, com um trabalho mais educativo. “Nós fazíamos a mulher conhecer os aspectos fisiológicos da sua gravidez para que ela pudesse ser protagonista na hora do parto”, explica a professora. O grupo ainda ganhou um prêmio internacional da Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), sendo uma das seis experiências exitosas selecionadas pela relevância de sua atuação na vida e na saúde das mulheres.
Parceria – Em 2017, o projeto passou a atuar em conjunto com a Residência em Enfermagem Obstétrica da UFPA, e os estudantes participaram da formação das mulheres. A partir de uma articulação com a Secretaria Municipal de Saúde (Sesma), o grupo passou a atuar na Unidade Básica de Saúde da Cremação, na qual permaneceu até encerrar as atividades em 2018. Cerca de 700 pessoas participaram das atividades nos dois anos de atuação do grupo naquele bairro.
De acordo com Edna Abreu, foi muito difícil fazer o grupo funcionar por três anos, apenas com voluntários. “Não tem política pública para educação em saúde como ação permanente. No geral, são ações pontuais, como Dia de Combate ao Câncer do Colo de Útero, Dia da Amamentação, entre outros. Então, era difícil convencer as mulheres a participarem de um grupo que tinha um calendário permanente de formação”, explica a coordenadora.
“Com base nos depoimentos das mulheres que voltavam aos encontros para relatar seus partos, foi possível perceber que o projeto teve um impacto significativo no enfrentamento à violência obstétrica”, afirma Edna Abreu. De acordo com a professora, o projeto também produziu o empoderamento dessas mulheres acerca dos seus direitos sexuais e reprodutivos e contribuiu para a formação humanizada de futuros profissionais de saúde.
Ed.149 - Junho e Julho de 2019
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TransformaDOR
Coordenação: Edna Abreu Barreto
Projeto de Extensão, Faculdade de Educação/ICED
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