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Bambu na construção civil?

Publicado: Sexta, 09 de Agosto de 2019, 17h22 | Última atualização em Segunda, 12 de Agosto de 2019, 15h08 | Acessos: 4566

Pesquisa analisa substituição ao aço em peças de concreto armado

O bambu da espécie Dendrocalamus giganteus, a mais citada por outros pesquisadores para esse tipo de experimento, é facilmente encontrado em Belém.
imagem sem descrição.

Por Nicole França Foto Alexandre de Moraes

Quando se pensa em materiais para a construção civil, a nossa mente é logo direcionada para materiais como o cimento, o concreto e o aço. Mas o pesquisador Francisco de Souza Salgado Neto estudou o bambu como material alternativo em substituição ao aço em peças de concreto armado. Os resultados estão na dissertação Análise mecânica e microestrutural da interação do bambu com o concreto. A pesquisa foi apresentada no Programa de Pós-Graduação em Engenharia Civil (PPGEC/ITEC) e orientada pelo professor Marcelo de Souza Picanço.

Segundo Francisco Salgado Neto, apesar de o bambu aparentar fragilidade, muitos estudos o apontam como um material natural, com boas propriedades mecânicas, principalmente a resistência à tração, sendo considerado por alguns autores como o “aço vegetal”. Para analisar a utilização do bambu na construção civil, o pesquisador investigou as complexidades da sua utilização.

“Uma delas foi a aderência, que é o princípio vital de uma estrutura de concreto armado, responsável pela transmissão dos esforços de tração para serem resistidos pelo aço. Muitas pesquisas analisaram a aderência entre o bambu e o concreto, bem como estudaram possíveis tratamentos que, em geral, consistiam na aplicação de resinas impermeabilizantes à superfície do bambu”, expõe o autor da dissertação.

No entanto Francisco Salgado Neto explica que a maioria das resinas estudadas possuía baixa resistência ao cisalhamento e funcionava como lubrificante entre o bambu e o concreto ou eram materiais termoplásticos, que se fluidificam com a elevação da temperatura. “A maioria dos resultados obtidos foi desfavorável, comparado ao bambu sem tratamento. Nos casos em que houve aumento da tensão de aderência, as resinas utilizadas foram epoxídicas, com o custo financeiro muito elevado, inviabilizando a utilização do bambu”, declara o pesquisador.

Dessa forma, a pesquisa buscou analisar tanto a interação mecânica entre o concreto e o bambu da espécie Dendrocalamus giganteus como utilizar uma tecnologia mais simples e barata como mecanismo de reforço de aderência entre os dois materiais, a qual seria o arame recozido.

Segundo o pesquisador, o arame recozido é um material metálico oriundo do aço, com baixo teor de carbono e com elevado grau de maleabilidade, apresentando um custo de produção mais baixo que o dos vergalhões de aço. “Em geral, sua principal aplicação na construção civil é na amarração das armaduras. A ideia era que o arame envolvido na superfície de bambu atuaria de forma análoga às nervuras encontradas nos vergalhões, principal responsável pela boa aderência entre o aço e o concreto. Na pesquisa, concluí que a utilização do arame foi um tratamento eficaz para o aumento de aderência, mas foi limitado pela natureza orgânica do bambu”, explica.

Parceria: Embrapa garantiu identificação e corte

Para o desenvolvimento da pesquisa, foi realizada uma revisão bibliográfica das principais pesquisas e dos autores que utilizam o bambu como material de estudo. “Assim, foi possível descobrir as vantagens e as peculiaridades desse material. Neste contexto, descobri que a espécie Dendrocalamus giganteus era uma das mais utilizadas por ser de grande porte e, consequentemente, ter melhores propriedades mecânicas”, afirma Francisco de Souza Salgado Neto.

O pesquisador contou com a parceria de pesquisadores da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e, assim, verificou que, em Belém, havia grande quantidade de touceiras desse tipo de bambu. A Embrapa auxiliou na identificação correta da espécie e no corte adequado do material.

Após a coleta do material, os colmos de bambu foram levados para o Laboratório de Engenharia Civil, no qual passaram por um processo de secagem natural, uma vez que o bambu seco apresenta melhores propriedades, e de armazenamento. Depois disso, os colmos foram cortados para realizar a caracterização do material de forma paralela às fibras, ou seja, a direção em que o material apresenta as melhores propriedades.

“Para o ensaio de resistência à compressão, foram cortados corpos de prova em formato de tubo cilíndrico, com altura de 20 cm; e, para o restante dos ensaios, os colmos foram fatiados na direção longitudinal e cortados em pequenas peças denominadas de taliscas de bambu. Os ensaios foram: resistência à tração, resistência à compressão, módulo de elasticidade, massa específica, absorção e evaporação de água e consequente variação dimensional e análise em Microscopia Eletrônica de Varredura (anatomia vegetal)”, explica o pesquisador.

Francisco Salgado constatou que a interação entre o bambu e o concreto é limitada em razão de o bambu ser um material liso e orgânico, afetando o processo de hidratação do cimento, ou seja, a inibição dos cristais de silicatos hidratados, que são responsáveis pela resistência dos compostos cimentícios. “Além disso, percebi que o bambu, em contato com o concreto, absorve umidade e tende a aumentar suas dimensões e, ao perder essa umidade, provoca a formação de vazios entre os dois materiais, reduzindo a aderência”, afirma.

Fonte de proteção ao solo e sequestrador de carbono atmosférico

A ideia para a elaboração da pesquisa surgiu da preocupação do autor quanto à preservação do meio ambiente. “Nós, do ramo da construção civil, somos grandes responsáveis pela utilização de recursos naturais, bem como pelos impactos ambientais na produção de materiais de construção. Neste contexto, o aço é uma das tecnologias mais empregadas, e sua principal matéria- -prima é o ferro-gusa, cuja produção tem alto consumo energético e emite grande quantidade de dióxido de carbono”, avalia Francisco Salgado Neto.

De acordo com o pesquisador, mesmo contrariando a hipótese da pesquisa, o bambu possui alguns aspectos relevantes. “Ele se apresenta com uma fonte de proteção ao solo e é sequestrador de carbono atmosférico, podendo ser empregado como regenerador ambiental por meio do reflorestamento de outras madeiras. Seu cultivo não necessita de solo especial, e o seu ciclo de crescimento é rápido”, declara Francisco.

Dessa forma, o estudo buscou utilizar o bambu como uma alternativa de material mais sustentável. No entanto a interação entre o bambu e o concreto ainda não é utilizada na construção civil, pois os estudos ainda são muito recentes. “As principais aplicações do bambu na construção civil são como peças roliças para resistir a esforços relativamente baixos, como estruturas de telhado, andaimes, tapumes, quiosques etc. Alguns países, como China, Colômbia, Equador e Costa Rica, têm uma cultura milenar na utilização do bambu”, destaca.

O pesquisador ressalta que a utilização do bambu na construção civil é viável. Para Francisco Salgado Neto, a principal maneira de se viabilizar a utilização do bambu é com tratamentos contra o ataque de insetos e de fungos, de forma que a durabilidade do material seja garantida. Mas, para a utilização no concreto, ainda são necessárias tecnologias que melhorem a interação entre os materiais.

“Posso afirmar que este trabalho foi pioneiro e contribuiu para que outros alunos do programa optassem por esta linha de pesquisa, fomentando mais estudos acerca desse material que, sem dúvida, será o material do futuro”, conclui Francisco Salgado Neto.

Ed.150 - Agosto e Setembro de 2019

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Análise mecânica e microestrutural da interação do bambu com o concreto

Autor: Francisco de Souza Salgado Neto

Orientador: Marcelo de Souza Picanço

Programa de Pós-Graduação em Engenharia Civil (PPGEC/ITEC)

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