Matapi garante pesca sustentável
Artefato adaptado favorece captura de camarões maiores
Por Aila Beatriz Inete Foto Acervo da pesquisa
A pesca e a venda de camarões são uma das principais fontes de renda de muitas comunidades ribeirinhas. Entre as ferramentas utilizadas na pesca está o matapi, um artesanato feito com tala de palmeiras e cipó ou corda para fazer a amarração. Originalmente, a amarração é feita para que pouquíssimos camarões escapem e, muitas vezes, camarões que ainda não reproduziram também são capturados. A longo prazo, essa prática pode prejudicar a sobrevivência da espécie. Nesse sentido, um grupo de pesquisadores do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (NAEA) desenvolveu um matapi modificado e testou sua eficácia em duas comunidades ribeirinhas.
O estudo faz parte da tese Estratégia para manejo dos recursos naturais na pesca de camarões da Amazônia na ilha de Sirituia, Abaetetuba, defendida por Marta Coutinho Caetano, com orientação da professora Oriana Almeida no Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Sustentável do Trópico Úmido (PPGDSTU/UFPA). “A ideia era avaliar todas as estratégias de extrativismo da região das ilhas próximas a Abaetetuba. Então, foi avaliada não só a atividade pesqueira como também a extração de açaí, entre outras”, explica Ana Paula Roman, pesquisadora integrante do grupo. “Foram testados diferentes matapis e percebeu-se que o espaçamento de cinco milímetros seria ideal, pois os ganhos, em termos de produtividade, seriam superiores às perdas”, conta a pesquisadora. Diante disso, a proposta era comparar o matapi com os espaçamentos de talas padronizados em 5 mm (o matapi modificado) com o utilizado pela população (o matapi tradicional), sem padrão de espaçamento. “A ideia era comparar e avaliar as diferenças, tanto em termos de produção (peso e tamanho) quanto em termos de rentabilidade”, afirma Ana Paula Roman.
Coleta de dados utilizou matapi tradicional e modificado
Para a pesquisa, foram selecionadas as comunidades São Miguel e Santa Maria, em Abaetetuba. Em cada comunidade, 13 pescadores receberam quatro matapis modificados e quatro tradicionais. “No final da tarde, todos saíam nas canoas e colocavam os matapis na água. Nós só interferimos na padronização do espaçamento entre os matapis, tomando cuidado para deixar sempre pareado, um modificado e um tradicional, com espaçamento de cerca de dois metros entre um par e outro”, explica a pesquisadora.
Os camarões foram separados por espécies e por tamanho. Em seguida, pesados. O matapi tradicional captura mais camarões, ou seja, em termo de peso, a sua produção é maior. Segundo Ana Paula Roman, o tradicional, por ter as talas muito próximas, impede qualquer camarão de escapar. Entretanto o tamanho dos camarões era pequeno. Já no matapi modificado, os camarões eram maiores (de médios a grandes).
“No mercado, existe uma classificação por tamanho, e todo mundo quer comprar um camarão de bom tamanho por um valor acessível. Normalmente, o tamanho mais vendido é o médio. O matapi modificado captura mais camarões médios e grandes do que o tradicional e não retém os menores”, afirma Ana Paula.
“Se você utiliza um matapi que não deixa o camarão menor escapar - e hoje cada família utiliza entre 30 e 40 matapis -, imagina o impacto disso na natureza?”, questiona a pesquisadora. O foco principal do estudo é promover um manejo sustentável, pois as comunidades dependem econômica e nutricionalmente da pesca.
Experiência deve ser compartilhada entre comunidades
Com os resultados em mãos, os pesquisadores voltaram a Abaetetuba. “Queríamos que as comunidades conhecessem e validassem os resultados, afinal das contas, o nosso objetivo era que essa informação fosse inserida em suas atividades”, conta Ana Paula Roman. Os pescadores não só validaram os dados como também se comprometeram a utilizar o matapi modificado e a levar a informação para outras localidades.
“A pesquisa foi realizada com sucesso, adotando práticas fora de uma unidade de conservação, sem o controle de entrada e saída de pessoas. Contou, de fato, com a participação dos pescadores no momento da coleta e também da validação dos dados”, comemora.
Para a pesquisadora, esse tipo de trabalho é importante, pois mostra que o manejo sustentável é possível, mas, para isso, é fundamental a participação e o engajamento dos pescadores. “No final das contas, quando falamos de manejo e sustentabilidade, não podemos nos preocupar só com a espécie ou com o ambiente. Não adianta “baixar” uma legislação. Quem precisa ser mobilizado para adotar uma prática sustentável é o pescador, e esse é o grande impacto desse tipo de pesquisa dentro da Amazônia”, avalia.
Ed.151 - Outubro e Novembro de 2019
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