Da tribu + Madame Floresta
Pesquisa observa processo de criação de marcas locais
Por Marília Jardim, especial para o Beira do Rio / Foto Acervo da Pesquisa
Em tempos de consumo desenfreado de roupas em lojas fast-fashion, Laura Navarrete seguiu na contramão do fluxo de consumo de moda e estudou marcas paraenses que valorizam cada etapa de produção de uma peça de moda. A pesquisadora é natural de El Salvador, na América Central, e veio para Belém após participar de um concurso de bolsas, realizado pela Organização dos Estados Americanos (OEA). Escolheu, como primeira opção, o mestrado em Artes, dentro do Programa de Pós-Graduação em Artes, do Instituto de Ciências Artísticas (ICA/UFPA), porque queria fazer a sua pesquisa vinculada à região amazônica. A defesa da dissertação Moda sustentável na Amazônia: princípios, processos criativos e produtos eco amigáveis ocorreu em junho deste ano, sob a orientação do professor Miguel Santa Brígida.
Com o objetivo de fazer uma pesquisa sobre moda sustentável, Laura precisou mudar os primeiros passos para a elaboração da sua dissertação, já que o que ela tinha em mente, no projeto inicial, era trabalhar com peças produzidas com algodão orgânico, que é muito mais comum no nordeste brasileiro. Assim, o primeiro desafio foi buscar quais matérias-primas são utilizadas por marcas locais, em Belém, e foi graças a esse desvio de rota que ela encontrou nas marcas Da Tribu e Madame Floresta a inspiração de que precisava para desenvolver a pesquisa.
Metodologia envolve trajeto, projeto, objeto e afeto
A dissertação está dividida em quatro capítulos: no primeiro momento, Laura Navarrete fala sobre a transdisciplinaridade da moda: “A moda é um conceito, uma filosofia, mas não se reduz somente à roupa, à indumentária, à tendência. A moda tem muitas ligações com a arte, a estética e a cultura”. Ainda no primeiro capítulo, é apresentada a Etnocenologia, método de pesquisa cujo estudo fala do cotidiano e do espetacular. A Etnocenologia foi formada por quatro indutores: trajeto, projeto, objeto e afeto, os quais estão diretamente ligados ao pesquisador. No caso de Laura, trata-se das experiências vividas antes, em El Salvador, e das experiências acadêmicas vividas durante o curso de mestrado.
A sustentabilidade não surge à toa como tema de pesquisa. O pai da autora é engenheiro agrônomo e sempre ensinou as práticas e as técnicas para cuidar da natureza, reciclar materiais e reaproveitar o lixo. Já a mãe de Laura é, para ela, “minha primeira referência de moda, é uma imagem de estilo”. Todas essas experiências, além da formação em Comunicação e a especialização em Jornalismo de Moda, trouxeram a autora até as pesquisas na área de comunicação e moda sustentável.
No segundo capítulo, Laura Navarrete apresenta as marcas trabalhadas durante a pesquisa, ambas escolhidas por estarem ligadas à moda sustentável: a Da Tribu é uma marca de acessórios, cuja principal matéria-prima são os fios de látex e a madeira. Já Madame Floresta é marcada pelo upciclying, técnica de aproveitamento máximo do tecido, na qual os retalhos são utilizados na confecção de sapatos e bolsas, por exemplo.
A pesquisa mostra os caminhos seguidos pelas marcas, o desenvolvimento e os processos de confecção. “Acompanhei as duas marcas nos seus ateliês: conversei, vi os acessórios, vi como acontecia a produção”, revela Laura. Além da observação, as entrevistas com as proprietárias da marca também auxiliaram o entendimento sobre a origem da matéria-prima e as características da moda sustentável na prática.
O momento seguinte da pesquisa foi dedicado à discussão sobre a importância da economia criativa para as marcas locais, “principalmente para a Da Tribu, que precisou fechar a loja e se adaptar aos novos modelos da economia”. O quarto capítulo da dissertação apresenta o “desenvolvimento dos princípios, processos criativos e produtos”. Para Laura, esse também é o momento de falar sobre os tipos de produtos que são produzidos em Belém. “Esse vestido não é feito só no ateliê, ele passa por muitas mãos. Registrar isso também é importante”, fala ela se referindo ao vestido que usou durante a entrevista, fruto da coleção Banho de Rio, desenvolvida durante o processo de pesquisa para a dissertação.
Banho de Rio: a coleção de roupas e acessórios
“É importante dizer que a coleção não é o resultado da pesquisa, o resultado da pesquisa é a dissertação. A coleção foi uma cobrança pessoal, um desafio posto para mim mesma”, afirma Laura Navarrete.
A coleção cápsula criada em parceria com as marcas pesquisadas foi uma forma de superar a distância de casa, a pressão da pós-graduação e outras dificuldades pessoais que abatem qualquer pesquisador em certos momentos. Laura também levou em consideração que as pessoas poderiam perguntar se é possível fazer moda sustentável em Belém. Assim, a coleção seria uma resposta prática para essa questão.
No total, foram produzidas dez peças, sendo cinco vestidos e cinco acessórios. “Eu levei os desenhos para a dona Graça Arruda, proprietária da marca Madame Floresta, e iniciamos as conversas sobre o que fica e o que muda. Aí já é uma parceria, um acordo entre nós. Com a Da Tribu, foi igual: a Kátia Fagundes, dona da marca, olhou os desenhos, quatro brincos e uma bolsa, e começamos a conversar sobre a matéria-prima”, explica Laura Navarrete.
A defesa da dissertação foi realizada no Espaço São José Liberto, o lugar favorito de Laura em Belém. Por coincidência, o Espaço São José Liberto, além de ser um prédio histórico, também é um fomentador do setor de moda da cidade, sem contar que já é conhecido pela sua experiência com joias, produzidas com design autoral e técnicas inovadoras.
Agora, Laura Navarrete já retornou para El Salvador, enquanto Madame Floresta e Da Tribu levam o que o Pará tem de melhor pelo Brasil afora: dona Graça, proprietária da marca Madame Floresta, foi selecionada pelo Projeto Conexão Criativa e Comercial e terá as suas peças expostas no evento Inspiramais, em São Paulo. Já Kátia, proprietária da Da Tribu, recebeu o Prêmio Pandora Mulheres Empreendedoras. Assim, a moda paraense cresce marcada pela experiência da sustentabilidade.
O Espaço São José Liberto e a moda em Belém
No Espaço Moda, ponto de venda do setor de vestuário, calçados e acessórios, a Da Tribu e a Madame Floresta têm peças comercializadas para o público em geral. Em 2016, foi assinado o Arranjo Produtivo Local (APL) de Moda e Design – Polo Metrópole, no Espaço São José Liberto. A iniciativa é do governo do Pará – por meio da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Econômico, Mineração e Energia (Sedeme) – Núcleo Estadual de Arranjo Produtivo Local (NEAPL/PA) e Instituto de Gemas e Joias da Amazônia (Igama), com o apoio dos Ministérios do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (Midc) e da Cultura (Minc) e tem como objetivo fortalecer a cadeia produtiva de moda local, por meio do desenvolvimento econômico do setor, fortalecendo as empresas com ações que visam dar apoio tanto nos aspectos relacionados à gestão (capacitações, cursos, palestras etc.) e ao mercado (feiras e exposições), quanto nas ações que buscarão desenvolver inovação e tecnologia.
Ed.146 - Dezembro e Janeiro de 2018/2019
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Moda sustentável na Amazônia: princípios, processos criativos e produtos eco amigáveis
Autora: Laura Navarrete
Orientador: Miguel Santa Brígida.
Programa de Pós-Graduação em Artes, do Instituto de Ciências Artísticas (PPGArtes/ICA)
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