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Opinião

Publicado: Quinta, 30 de Abril de 2020, 15h45 | Última atualização em Quinta, 30 de Abril de 2020, 15h46 | Acessos: 1743

O dia em que celebramos a dança em meio à pandemia

imagem sem descrição.

Por Waldete Brito Foto Miguel Ckikaoka

Salve o dia 29 de abril! Data em que celebramos, mundialmente, a arte da dança. Esse não foi um número, aleatoriamente, selecionado pelo CID – Comitê Internacional da Dança da Unesco – Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura, mas por ter sido a data de nascimento do mestre e bailarino francês Jean George Noverre (1727–1810), um dos expoentes e revolucionários, que modifica o modo de ver e pensar o corpo na cena. Seu pensamento iluminista abre espaço para questionar, entre outros aspectos, a ausência de ação na dança de sua época. Assim, cria o balé de ação. Um balé capaz de contar histórias por meio dos gestos expressivos, que tem intenção, cuja leitura se processa pela semântica coreográfica que brota da sensibilidade, da razão e da emoção. Noverre é muito conhecido por ter escrito, no ano de 1760, “Cartas sobre a Dança”, um documento histórico que sinaliza questões da dança do seu tempo, alargando, desde então, o campo de reflexão e fazeres construtivos na contemporaneidade.

As teorias de Noverre e suas inquietações, algumas delas, ouso pensar que ainda reverberam por aqui. Para ele, “O êxito nas composições somente é possível se o coração se inquieta, se a alma com vivacidade se emociona (...) (Monteiro, 1998, p. 213). Neste caso, como artista da dança e autora deste breve texto, não consigo falar de dança neste momento, sem que o coração esteja inquieto.

Em 29 de abril de 2020, vamos, sim, celebrar o Dia Internacional da Dança, mesmo que seja no meio de uma pandemia que nos faz dançar em outro cenário, aqui, intitulado de Casa-Palco. De algum modo, vamos dar asas à imaginação coreográfica, quer seja na sala, no quarto, na cozinha, no corredor, na sacada, enfim, o lugar de onde dançaremos para comemorar as danças que nos constituem. Danças no plural, pois temos muitas em nossas singularidades criativas.

Assim, muitas poéticas devem surgir deste isolamento social. Uma dança de quimera que brota mais ainda do interior, composta de elementos essenciais à vida, entre a arte e a natureza de SER humano. Neste momento, sem o contato presencial, mas com a dança de contato consigo mesmo, com suas reflexões, desdobramentos, rupturas de paradigmas, política, fragmentada, visceral, porém nunca esgotada.

Neste tempo, seremos tocados em nossa corporeidade de outro jeito, talvez, dancemos uma narrativa do drama da vida, da morte, do medo da Covid, do isolamento e ansiedade, que tanto pode servir como disparadores de criação, quanto de bloqueio. Abro um parêntese aqui, pois tal pensamento me leva ao início do século XX, quando artistas e precursoras da dança moderna começaram a dançar o contexto em que viviam, abandonando, paulatinamente, as temáticas do balé clássico que se distanciavam do mundo real. Assim, a bailarina norte-americana Martha Graham (1894-1991) trouxe, também, as dores por ela vividas no período da Guerra Mundial.

A dança que celebramos em meio à pandemia talvez nos aponte que o mais importante é estarmos juntos não apenas compartilhando processos criativos, mas também partilhando o sensível de nossas vidas. Os afetos, o reconhecimento dos mestres da dança que vieram, antes mesmo que pensássemos em dançar, de suas histórias e memórias entrelaçadas às nossas. Reverência às personalidades da dança brasileira, em especial, aos mestres da dança paraense. Vou citar alguns, por meio dos quais celebramos muitos outros: Augusto Rodrigues (1928-2016), Eni Corrêa, Marilene Melo, Clara Pinto, Teka Salé, Vera Torres, Rosário Martins, sem os quais a nossa dança não seria possível.

Dancemos com os deuses para celebrar a dança e emanar boas energias ao planeta. “Ter fé é dançar no abismo”, já dizia Nietzsche. Então, às vezes é preciso ir ao abismo para retornar diferente, afinal, o mesmo filósofo me diz: “não acredito em um Deus que não dance”.

Viva a dança!

Waldete Brito - Bailarina, coreógrafa e professora de Dança da UFPA. E-mail: <wbfreitas@uol.com.br>

Nota da edição

Foto de Miguel Ckikaoka, durante a apresentação do espetáculo Enraizando.

Referências

MONTEIRO, Mariana. Noverre: Castas sobre a dança. São Paulo: Ed. Universidade de São Paulo,FAPESP, 1998.

FARO, Antônio Jose. Pequena História da dança. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1987.

Ed.154 - Abril e Maio de 2020

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