Ir direto para menu de acessibilidade.

GTranslate

Portuguese English Spanish

Opções de acessibilidade

Página inicial > 2018 > 143 - junho e julho > Cadê meu São João?
Início do conteúdo da página

Cadê meu São João?

Publicado: Segunda, 28 de Maio de 2018, 17h52 | Última atualização em Terça, 29 de Maio de 2018, 14h54 | Acessos: 4392

Um retrato dos festejos juninos na Belém dos anos 1950

Por Armando Ribeiro Foto Alexandre de Moraes

Mês de junho chega e traz com ele a roupa xadrez, o barulho dos estalinhos e o som do forró, elementos que deixam as cidades mais animadas e coloridas. Pessoas de todas as idades se unem para comemorar os santos do mês e trocar experiências. Cada geração conta as particularidades dos festejos da sua época e mostra que falar sobre essas manifestações é narrar a sua própria história.

Para perceber como essas narrativas juninas se constroem, Elielton Benedito Castro Gomes escreveu a dissertação Adeus Maio! Salve Junho! Narrativas e representações dos festejos juninos em Belém do Pará nos anos de 1950, orientada pelo professor Antônio Maurício Dias da Costa. O autor conta que utilizou como base a escrita de intelectuais, matérias e anúncios publicitários veiculados pelos jornais da época. A intenção foi captar como ocorriam esses festejos e até que ponto a escrita dos jornais tinha influência sobre eles.

De acordo com o historiador, a festa junina chegou ao Brasil com os portugueses, ainda no Período Colonial, sendo ressignificada e adquirindo características fortemente nacionais. Elielton Gomes conta que a tradição é decorrente da cultura europeia, na qual esse período é de colheita, de um novo ciclo.

A escolha pela década de 1950, segundo Elielton Gomes, é em razão da sua peculiaridade histórica, já que é um período de redemocratização entre duas ditaduras, a de Vargas, que terminou em 1945, e a dos militares, que começou em 1964. O pesquisador afirma que, nessa época, as agitações políticas estavam mais brandas e as pessoas podiam se expressar melhor. Aliado a isso, Belém passava por um intenso processo de urbanização, crescimento e trânsito populacional, recebendo diversos sujeitos do interior do Estado do Pará e do Nordeste para trabalhar.

De acordo com o historiador, nesse processo, as culturas amazônica e nordestina vão se misturar intensamente, e os jornais da época vão refletir essa miscigenação. As matérias, as crônicas e os anúncios analisados pela pesquisa mostravam um homem inocente, que vem do interior para a cidade grande sem saber como lidar com aquele espaço novo. Porém, quando ele é trazido para a imprensa, é retratado com as características atribuídas ao nordestino, descrito com espírito devoto, festivo e de fala simples.

Profano e popular sempre estiveram lado a lado

Uma das características dos festejos juninos, presentes ainda hoje, é a sua ligação com a religião ao homenagear os santos católicos populares, como Santo Antônio, São João, São Pedro e São Marçal. Mas as festas também possuem uma essência popular e profana, revela Elielton Gomes. “Um dos elementos ligados ao catolicismo são as quermesses, que ocorrem durante as festividades. Os próprios idealizadores das festas utilizavam as datas comemorativas desses santos para atrair mais público. Porém, no fim, era uma festa do povo, com brincadeiras e espetáculos diversos”, afirma.

A pesquisa, apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História Social da Amazônia (PPGHist/IFCH), contou com a opinião de cinco intelectuais: Bruno de Menezes, Eneida de Moraes, Lindanor Celina, Georgenor Franco e Rodrigues Pinagé, retirada dos Jornais O Liberal, A Folha do Norte, A Província do Pará, O Estado do Pará, A Vanguarda e da Revista da Amazônia, além de romances memorialísticos que falam sobre o tema.

Elielton Gomes conta que esses escritores faziam um discurso muito nostálgico, comparando o São João da infância deles com o daquele momento. É engraçado que vemos essa narrativa até hoje. As pessoas tendem a atingir uma certa idade e querer que tudo continue como era na sua infância, daí vêm discursos como ‘as brincadeiras da minha época eram melhores’ ou ‘estas crianças não saem do celular’. Elas não aceitam que as práticas estão sujeitas à transformação, que as formas de interação, comunicação e cultura mudam”, observa.

Uma das principais descobertas do estudo foi perceber esses intelectuais como mediadores culturais. Eles não estavam apenas falando das festas, mas interferindo no modo como esses festejos eram produzidos. No momento em que os organizadores desses eventos entravam em contato com o material nos jornais, eles tentavam agir de acordo com o que era escrito. “Os anúncios que eu verifiquei mostravam que os festeiros tentavam chamar as pessoas misturando características, na época, atuais com as de São Joões passados”, revela o pesquisador.

Forró não era considerado ritmo típico

O historiador explica que, na década de 1950, o São João não era embalado pelos ritmos que hoje são considerados tradicionais, como as músicas de quadrilha e o forró. Nos clubes, tocavam uma gama de estilos que hoje seriam considerados inapropriados, como a valsa, o xaxado e os boleros. Elielton Gomes destaca que as picapes sonoras eram pouco utilizadas, sendo a animação realizada mais ao vivo, pelos grupos de Pau e Corda, na periferia, e pelas Orquestras, nos bairros centrais. Hoje, a animação típica é feita pelas aparelhagens.

Outro ponto particular da modernidade apontado pelo autor é a concentração dos festejos em praças e locais públicos, quando, no passado, essas comemorações ocorriam principalmente em clubes ou em bares privados. “Eu enxergo que, naquela época, existia uma circularidade cultural maior, quando acabava uma festa, as pessoas já iam para outra, se deslocavam do centro para a periferia. Existia essa troca de experiências e tradições que quase não vemos mais. Hoje, as pessoas estão muito presas nas suas tribos”, avalia Elielton Gomes.

O pesquisador ressalta que, apesar das mudanças que ocorrem naturalmente, as festas de São João conservam alguns elementos e ainda refletem pensamentos antigos, como o uso da imagem feminina para atrair o público masculino. “Isso não vai ocorrer apenas nos festejos juninos. O ‘mulheres não pagam’ de hoje é um espelho do ‘contamos com a presença das mulatas mais cheirosas da cidade para alegrar’, dos anos 1950”, explica.

Outro elemento que permanece é a idealização do ambiente rural como cenário para as festas de junho. Expressões como “São João na Roça”, “Casamento na Roça” e “Festa na Roça” eram muito presentes nos jornais e anúncios e podem ser facilmente escutadas nos dias atuais. Elas representam uma versão adaptada do mundo caipira no meio citadino, uma festa do interior no coração urbano da Amazônia.

Ed.143 - Junho e Julho de 2018

-----

Adeus Maio! Salve Junho! Narrativas e representações dos festejos juninos em Belém do Pará nos anos de 1950

Autor: Elielton Benedito Castro Gomes

Orientador: Antônio Maurício Dias da Costa

Programa de Pós-Graduação em História Social da Amazônia (PPGHist/IFCH)

Comentários  

0 #1 Alexandre Nogueira 07-06-2018 15:10
Eis a necessidade da descrição da imagem, que não possui na matéria. Pois se trata da fotografia da obra de arte de Mestre Nato, (oratório de São João) que pertence ao Instituto Arraial do Pavulagem.
Citar

Adicionar comentário

Todos os comentários estão sujeitos à aprovação prévia


Código de segurança
Atualizar

registrado em: ,
Fim do conteúdo da página