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Resenha

Publicado: Sexta, 09 de Agosto de 2019, 17h38 | Última atualização em Segunda, 12 de Agosto de 2019, 15h08 | Acessos: 4375

Obra discute o protagonismo indígena no século XIX

Por Walter Pinto Foto Alexandre de Moraes

Durante séculos, os índios foram vistos como vítimas passivas dos colonizadores, dos missionários e das autoridades provinciais. No entanto a leitura de Sem Vieira nem Pombal, livro publicado pelo historiador e antropólogo Márcio Couto Henrique, aponta para uma perspectiva que os revela sujeitos conscientes de sua própria história. Se assim não fosse, como explicar as formas distintas como se apropriaram das políticas indigenistas oficiais? Afinal, como firma o autor, “índios que se envolvem em revoltas populares, vivem em sítios afastados dos aldeamentos, negam a autoridade dos missionários e diretores de aldeias, atacam os aldeamentos e fazem promessas às autoridades da província só o fazem porque são, indiscutivelmente, sujeitos de sua própria história.”

Esta é uma das principais teses do estudo escrito durante o pós-doutoramento do autor, realizado em Barcelona, entre agosto de 2014 e fevereiro de 2015, um tempo que já deixa saudade pelo excepcional incentivo à qualificação acadêmica por parte das políticas públicas oficiais. O subtítulo do livro, “índios na Amazônia do século XIX”, demarca um corte temporal distante da empreitada jesuítica do período colonial. O cenário agora é de guerra cabana, expansão da economia da borracha, ausência de braços nas lavouras e grandes vazios demográficos na província.

Naquele momento, a ideia que perpassou os relatos de viajantes e de estudiosos foi a de que “os índios seriam extintos num futuro breve”. Tal qual um poderoso rio, o sangue português absorveria os pequenos afluentes das raças índia e negra, como anteviu Martius. Não muito distante do pensamento de Varnhagen, para quem os índios constituíam uma “raça decadente, em franca e irreversível degeneração, condenada à extinção, tanto pela violência dos conquistadores quanto pela mestiçagem”. “Absorção pelos civilizados” e “extinção progressiva” firmaram-se generalizações que induziram equívocos sobre a passividade dos índios diante das políticas indigenistas e da ação dos religiosos.

Os Munduruku são os protagonistas de Sem Vieira nem Pombal. Márcio Couto recomenda relativizar a imagem de brandura e fidelidade da nação difundida pela historiografia com base em relatos como o do naturalista François Biard, de 1859. Geralmente entendidos como “fiéis aliados das tropas legalistas contra cabanos e escravos fugidos”, os Munduruku não se tornaram presas fáceis das políticas de aldeamento praticadas pelo império brasileiro. Por trás da retórica secular de “civilizar o índio”, a catequese dos missionários contribuiu com a tentativa de submetê-los às leis e ao trabalho obrigatório, em momento de crise de abastecimento das cidades pós-guerra cabana.

Mas os índios preferiam viver em suas aldeias, sumiam dos aldeamentos e do trabalho, só retornando quando lhes era conveniente, nas festas, por exemplo. Um dos parâmetros para medir o insucesso da política de aldeamento do século XIX, sobretudo em relação aos Capuchos, missionários mais afeitos à vida urbana, pode ser dado pelo “saudosismo jesuítico”, a idealização de um tempo de sucesso em que o aldeamento era de responsabilidade dos jesuítas, antes da expulsão por Pombal.

O discurso da salvação da alma pareceu não ser suficiente para fazer o índio trocar a vida independente pela vida sedentária nos aldeamentos, longe da selva. Os presidentes da província logo entenderam a importância dos brindes – “mimos e presentes”, no dizer de um deles, Jerônimo Francisco Coelho – para atrair os indígenas.
Espingardas, fuzis, terçados, facas, miçangas, machados, peças de fazenda eram parte dos mimos que os índios recebiam. Quando não conseguiam nos aldeamentos, eles percorriam longos caminhos, remando dias seguidos, até chegar ao presidente da Província, em Belém, como faziam os longínquos canoeiros Apinagé.

Márcio Couto mostra os índios exercitando certa autonomia em relação aos aldeamentos. As missões não se constituíram espaço de total controle dos religiosos. Segundo o autor, o “fato de os índios viverem em sítios, fora dos aldeamentos, e não considerar estes como sua residência, aponta para um tipo de relação com a espacialidade das missões que escapava à autoridade missionária”. Uma consequência desse esvaziamento dos aldeamentos foi a extinção de alguns deles pelas autoridades governamentais.

Sem forçar a mão, o autor mostra, com base em centenas de fontes, o protagonismo indígena no século XIX. Longe das previsões escatológicas sobre o desaparecimento ao impacto do contato, os índios foram decisivos para mudar aqueles que pretenderam civilizá-los.

Serviço: Sem Vieira nem Pombal: índios na Amazônia do século XIX. Autor: Márcio Couto Henrique. Editora UERJ, 2018. 260 páginas.

Ed.150 - Agosto e Setembro de 2019

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