Opinião: A assistência ao parto centrada na mulher
A assistência ao parto centrada na mulher
Renata Diniz Aires Fotos: Acervo pessoal / Bas Silderhuis (Free Images)
Tradicionalmente, os cuidados com o parto e com o nascimento eram realizados por mulheres popularmente conhecidas como parteiras. Eram avós, vizinhas, comadres, mulheres que detinham um saber empírico sobre o nascer. Os partos eram manifestações gritantes de vida, da natureza impressa no corpo das mulheres.
Entretanto, a partir do séc. IX, com os avanços tecnológicos e a criação extensiva de Faculdades de Medicina e Residências em Obstetrícia, o parto começou a sofrer um processo de institucionalização, marcando, assim, o início de uma Era de medicalização dos processos reprodutivos.
A assistência ao parto cercada de intervenções começou a se difundir baseada em consensos e práticas de rotina, sem embasamento científico. A pelve feminina era estudada matematicamente numa tentativa de controlar um fenômeno de dimensão impalpável, buscando-se criar padrões para os corpos de mulheres, tão diferentes umas das outras, resultando em nascimentos semelhantes a produções em série. Neste contexto, o parto normal era preenchido de práticas abusivas e violentas (violência obstétrica), como o isolamento, a perda de privacidade, os gritos e os constrangimentos, o uso de soros para acelerar as contrações, os cortes no períneo, os empurrões na barriga etc.
Apesar de os avanços da Medicina terem contribuído positivamente para a diminuição das mortalidades materna e infantil, esses avanços trouxeram consigo o ônus de transformar a mulher em uma figura passiva. A cesárea “indolor e inofensiva”, que deveria ocorrer em casos específicos, com o objetivo de salvar vidas, acabou sendo banalizada. Hoje, o Brasil lidera o ranking na América Latina em números de cesáreas sem real indicação.
Em contraponto a esse contexto intervencionista e hospitalocêntrico, sob forte influência dos movimentos de mulheres e profissionais insatisfeitos com a assistência prestada, surge no Brasil uma nova proposta de assistência ao parto. Essa proposta foge do modelo tradicional, eleva a mulher à condição de protagonista e tem como foco proporcionar uma experiência positiva de parto e nascimento: a assistência humanizada e respeitosa centrada na mulher.
O parto humanizado é amparado por três pilares fundamentais: a informação, o consentimento e a autonomia. Todos os cuidados prestados baseiam-se nas melhores evidências científicas disponíveis, os procedimentos devem ser explicados e consentidos quando há uma real indicação de aplicabilidade, os profissionais devem respeitar a autonomia da mulher em fazer escolhas informadas. Respeitar seu tempo e seus limites, seus medos e desejos, seus anseios e suas expectativas. Paciência, respeito, empatia e domínio do conhecimento científico são conceitos chave para prestar assistência individualizada, respeitosa e centrada nas necessidades de cada mulher.
O resgate do parto natural tem sido amplamente discutido. Apesar de a violência obstétrica e a banalização da cesárea eletiva ainda serem uma realidade, também vemos, hoje, mulheres cada vez mais empoderadas, buscando informações, escolhendo criteriosamente como, onde e com quem desejam parir, seja no hospital, seja numa casa de parto, seja até mesmo em seu domicílio.
Nesta árdua empreitada de retomada do protagonismo feminino no parto, novos atores vêm ganhando espaço na assistência à gestante: os enfermeiros obstétricos e obstetrizes (profissionais habilitados para assistência ao parto de baixo risco) e as doulas (acompanhantes profissionais que prestam conforto físico e emocional às mulheres, mas não realizam qualquer tipo de procedimento técnico).
A assistência ao parto centrado na mulher devolve à mãe o controle sobre seu corpo, seu ritmo, seu tempo e suas escolhas. Ela é tratada de forma carinhosa, desfruta da companhia das pessoas que escolheu para vivenciar esse momento com ela, pode caminhar, comer, dançar, buscar a posição mais confortável para parir, tendo papel ativo em todas as etapas.
As mulheres desejam acolhimento em suas múltiplas individualidades e liberdade de escolha entre múltiplas possibilidades. As tecnologias médicas salvam vidas todos os dias, mas precisam ser aplicadas corretamente e direcionadas a quem realmente precisa. Em tempos em que direitos fundamentais estão sendo questionados, vale ressaltar: para mudar o mundo, é necessário, primeiramente, mudar a forma de nascer.
Renata Diniz Aires - enfermeira do Programa de Especialização em Enfermagem Obstétrica da UFPA, educadora perinatal e ativista da Humanização do Parto e Nascimento.
Ed.139 - Outubro e Novembro de 2017
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