Entrevista: Todos a favor das universidades
“Bem informada, a sociedade não aceitará o colapso das instituições”
Por Walter Pinto Foto Alexandre de Moraes
Eleito presidente da Associação Nacional de Dirigentes de Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), o professor Emmanuel Zagury Tourinho, reitor da Universidade Federal do Pará, iniciou seu mandato em meio à crise política e econômica nacional, cuja repercussão abrange todas as áreas produtivas do País. As universidades federais, por exemplo, passam por enormes dificuldades, não havendo mais recursos para fomentar a atividade científica. Desde que assumiu o mandato, o presidente da Andifes vem intensificando a interlocução com o governo federal, com o Congresso Nacional e com a sociedade, em defesa das IFES, por entender que todos os setores dependem, de algum modo, do trabalho das universidades públicas federais, como afirma nesta entrevista. Segundo ele, “se conseguirmos informar a sociedade sobre o que está acontecendo, não creio que ela aceitará o colapso das nossas instituições”.
A crise e as universidades federais
Em tempos de crise, sempre há risco para as universidades, mas não creio que a ponto de fechar qualquer uma delas. A sociedade brasileira dificilmente aceitará uma situação limite, se estiver a par do que fazem as universidades. Todos os setores da sociedade dependem, de algum modo, do trabalho das universidades públicas federais. Representamos, por exemplo, mais da metade do sistema nacional de pós-graduação e somos responsáveis por mais da metade da produção científica nacional. Além da pesquisa e do ensino, fazemos assistência à saúde com uma extensa rede de hospitais e clínicas universitárias. Apoiamos ministérios, governos estaduais e governos municipais em todas as áreas das políticas públicas. Somos essenciais para o sucesso em setores vitais da economia do País, como a produção de alimentos, a indústria de aviação e a exploração de petróleo em águas profundas. Temos exemplos semelhantes em dezenas de outras áreas. Apoiamos os movimentos sociais, promovemos a cidadania e formamos lideranças para a sociedade, em todos os campos. Se você quiser saber o que isso significa para o País, é só olhar para os países em desenvolvimento que não contam com um sistema de universidades públicas como o nosso. Se conseguirmos informar a sociedade sobre o que está acontecendo, não creio que ela aceitará um colapso das nossas instituições.
A crise e a pesquisa científica
A rigor, não temos mais um Ministério de Ciência e Tecnologia, o que é um enorme retrocesso. A gestão pública da ciência virou um apêndice do Ministério das Comunicações e, obviamente, estamos pagando um preço enorme por isso. Não há mais recursos para fomentar a atividade científica no País. Inúmeros laboratórios estão cancelando projetos, alguns até fechando as portas por falta de recursos para manter equipamentos. Muitos pesquisadores competentes estão deixando o País. Creio que a sociedade brasileira ainda não tem a medida do prejuízo que está sendo produzido com a descontinuidade do investimento nas áreas de ciência e tecnologia. Se não houver uma rápida inflexão nesse processo, em breve, o País não terá mais a capacidade de desenvolver soluções para os seus problemas, como ocorreu recentemente no combate ao zika vírus. Ao asfixiarem a educação e a ciência, estão desmontando o sistema que pode garantir um futuro ao País. A sociedade precisa reagir a isso.
Os setores mais afetados
Todos os setores estão sendo afetados pela crise, com maior ou menor intensidade, de uma universidade para outra, na medida em que cada uma tem autonomia para definir as suas prioridades. Todas as universidades estão com problemas de custeio. A cada ano, temos reajustes na energia e nos serviços terceirizados, como limpeza e vigilância. Os orçamentos de custeio, na contramão, têm sido reduzidos. Todas as universidades têm muitas obras inacabadas, e os recursos de investimento foram cortados pela metade. Universidades novas estão funcionando em prédios alugados, o que compromete ainda mais o seu orçamento de custeio; universidades mais antigas estão sem condições de fazer a manutenção adequada de sua infraestrutura física. Os avanços na inclusão implicam a necessidade de maior investimento em assistência estudantil, mas esse orçamento também está congelado. Hoje, as universidades conseguem atender apenas a uma pequena parcela dos alunos em condições de vulnerabilidade socioeconômica.
O ensino público e gratuito
Por muitas razões, não há espaço para a cobrança de anuidades nas universidades públicas brasileiras. O ensino gratuito é constitucional, uma conquista da sociedade brasileira, que está em sintonia com o que acontece nas nações mais bem-sucedidas no campo da educação. Na Alemanha, por exemplo, todas as universidades são públicas e gratuitas. Além disso, somos um país dos mais desiguais, com pobreza acentuada e exclusão em massa. Não podemos enfrentar esse quadro que nos envergonha perante outras nações fechando as portas das universidades para os jovens que vêm de famílias com baixa renda. Alguns dizem que os ricos deveriam pagar a universidade. Se for para fazer isso, não precisamos cobrar de ninguém, é só taxar as fortunas e destinar todos os recursos arrecadados para o financiamento da educação superior pública. Em vez disso, porém, o Brasil se comporta como uma nação do século XIX e recusa-se a discutir impostos sobre fortunas.
A luta da Andifes
A Andifes vem atuando em três frentes em defesa das IFES. Primeiro, insistimos com o governo sobre a necessidade de atualização dos orçamentos das universidades federais. No Congresso Nacional, buscamos apoio para a causa das universidades públicas e temos conseguido alguns bons resultados. Há um esforço de amplos setores no Congresso para garantir recursos para o sistema de universidades públicas federais. Além disso, buscamos sensibilizar a população para os problemas enfrentados pelas universidades públicas. Quanto mais esclarecermos o que está acontecendo, maiores as chances de a sociedade também cobrar uma solução.
A presidência da Andifes
Ter um reitor da região Norte na presidência da Andifes significa o reconhecimento de que temos uma contribuição importante a dar, que estamos aptos a exercer um papel de liderança na luta pela educação superior pública no País. Vivemos um momento de grandes desafios, e o maior deles é não ficar paralisados diante das ameaças. Temos que construir os meios para continuar avançando na qualidade do ensino, da pesquisa e da extensão nas nossas universidades. Temos que continuar promovendo a inclusão e a diversidade, a internacionalização e a interação com todos os nossos parceiros na sociedade.
A expansão via Reuni
O Reuni, programa de expansão das universidades federais, iniciou em 2007, proposto pela Andifes e acolhido pelo governo. Com ele, o número de vagas nas IFES foi dobrado. Ainda assim, apenas 25% das vagas atuais na educação superior são de instituições públicas. O momento era adequado, tanto quanto se pode esperar por condições adequadas para avanços sociais no Brasil. O que aconteceu com essa expansão foi muito parecido com o que ocorreu com a interiorização da UFPA: se tivéssemos aguardado o momento ideal para levar a universidade ao interior, até hoje milhares de jovens paraenses estariam excluídos da UFPA. Do mesmo modo, se tivéssemos trabalhado com a ideia de que, primeiro, teria que vir a infraestrutura, para depois virem as novas universidades e as novas vagas, nunca teria ocorrido a expansão. Com a desigualdade que marca a nossa sociedade, não tínhamos escolha, era preciso aproveitar a oportunidade para expandir a oferta pública de educação superior. Agora, é importante dizer que o nosso crescimento não foi só quantitativo. Temos, hoje, uma infraestrutura muito melhor para o ensino, a pesquisa e a extensão. Como resultado, demos um salto na produção científica brasileira e na qualidade dos cursos de graduação.
Ed.139 - Outubro e Novembro de 2017
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